A PACIÊNCIA E SEUS LIMITES
Dá a entender que
me ama,
mas não se
declara.
Fica mastigando
grama,
rodando no dedo
sua penca de chaves,
como qualquer
bobo.
Não me engana a
desculpa amarela:
‘Quero discutir
minha lírica com você’.
Que enfado!
Desembucha, homem,
tenho outro
pretendente
e mais vale para
mim vê-lo cuspir no rio
que esse seu verso
doente.
SENHA
Eu sou uma mulher
sem nenhum mel
eu não tenho um
colírio nem um chá
tento a rosa de
seda sobre o muro
minha raiz comendo
esterco e chão.
Quero a macia flor
desabrochada
irado polvo cego é
meu carinho.
Eu quero ser
chamada rosa e flor
Eu vou gerar um
cacto sem espinho.
HUMANO
A alma se
desespera,
mas o corpo é
humilde;
ainda que demore,
mesmo que não
coma,
dorme.
JÓ CONSOLADO
Desperta, corpo
cansado;
louva com tua boca
a cicatriz perfeita,
o fígado
autolimpante,
a excelsa vida.
Louva com tua
língua de argila,
coisa miserável e
eterna,
louva, sangue
impuro e arrogante,
sabes que te amo;
louva, portanto.
A sorte que te
espera
paga toda
vergonha,
toda dor de ser
homem.
CASAMENTO
Há mulheres que
dizem:
Meu marido, se
quiser pescar, pesque,
mas que limpe os
peixes.
Eu não. A qualquer
hora da noite me levanto,
ajudo a escamar,
abrir, retalhar e salgar.
É tão bom, só a
gente sozinhos na cozinha,
de vez em quando
os cotovelos se esbarram,
ele fala coisas
como "este foi difícil"
"prateou no
ar dando rabanadas"
e faz o gesto com
a mão.
O silêncio de
quando nos vimos a primeira vez
atravessa a
cozinha como um rio profundo.
Por fim, os peixes
na travessa,
vamos dormir.
Coisas prateadas
espocam:
somos noivo e
noiva.
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