sexta-feira, 2 de outubro de 2015

Iba Mendes: "A Vela Azul"

A VELA AZUL

Embora confessasse publicamente sua descrença nas religiões e nos deuses, tinha por hábito acender uma vela toda semana.

Não fazia por algum propósito místico ou religioso, mas apenas por se sentir bem, dizia.

Usava sempre vela da mesma cor, que era acesa sempre no mesmo lugar, numa pequena mesa de mogno, caprichosamente posta ao lado da cama em que dormia.

Essa prática remonta aos seus 30 anos, e não teve, na época, nenhuma motivação especial. Estava bem de saúde, ganhando um bom salário e apaixonada, “loucamente apaixonada”, como gostava de dizer às amigas.

Aconteceu naturalmente após um apagão na rede elétrica. Ficou tão deslumbrada e fascinada com o clarão dos cílios que nunca mais quis desfazer dele. De lá para cá, podia faltar tudo, menos velas azuis.

Não se sentia incomodada pelas constantes interpelações das visitas. “Ora, por que o simples ato de acender uma vela precisa significar algo especial?”, indagava aos seus questionadores.

Não pensava o mesmo sua vizinha do lado, que sentia muito gosto em espiar o “ritual da vela” pelas frestas da veneziana. Foi dela que partiu o boato de que a “solteirona da casa azul” realizava rituais de magia negra, e que a prova disso eram as velas que acendiam à noite durante toda semana.

- E tem macho no meio! alertava a quem podia. Mas eu vou descobrir quem é o filho do cão-tinhoso, acrescentava embravecida.

E descobriu. Foi numa sexta-feira santa. Fazia muito calor.


Como de costume, a indiscreta vizinha correu até a veneziana. Pela frincha observava cada movimento da janela ao lado. Munida de um binóculo que havia comprado só para este fim, concentrou seu olhar no “ritual”. Percebeu que a solteirona estava acompanhada por alguém. Era um homem gordo e careca. Estava sentado de costa. Esperou mais um pouco. Estava impaciente. “Agora!”, pensou. Reposicionou melhor a lente e viu o marido com o isqueiro na mão acendendo uma vela azul.


Janeiro, 2014.

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