sexta-feira, 2 de outubro de 2015

Iba Mendes: "O Sonho Estranho"

O SONHO ESTRANHO

Teve um sonho tão estranho!

Mas era apenas um sonho, e sonhos só fazem algum sentido para a gente supersticiosa ou para os devotos de Freud, o que de modo algum era seu caso.

Ora, não era a primeira vez que tivera um sonho assim tão excêntrico e bizarro. Há uns três meses sonhara que carregava um enorme caramujo nas costas, até se transformar num deles. Em outra ocasião, sonhou que vivia uma personagem de um dos livros do escritor Franz Kafka. E mais recentemente sonhou que era Cármen Miranda e que estava sentada sobre o Cristo Redentor, no Corcovado. Portanto, não havia nenhuma razão para tornar este sonho um caso singular em relação aos demais. Era apenas um sonho entre tantos outros. Devaneios da mente. Fantasias, simplesmente.

Arrumou-se e saiu para trabalhar como sempre fazia, sem nenhuma preocupação ou cuidados adicionais. Não se benzeu nem pediu proteção aos santos.

No caminho lembrou-se de um caso contado por uma senhora num programa de televisão, a qual dizia que havia sonhado com a morte do marido num terrível acidente de automóvel, o que aconteceu logo no dia seguinte e em circunstâncias bem análogas às do seu pesadelo. Lembrou-se ainda de um filme que assistira com um antigo namorado, intitulado “A Ciência dos Sonhos”, aliás, um filme muito besta, dizia ela. Tentou esquecer o sonho. Andava.

Entrou numa banca de jornal para comprar sua revista semanal, e não resistiu ao colorido de um opúsculo que tinha por título “O maravilhoso livro dos sonhos”. Comprou.

- Um monte de besteira, dizia um tanto arrependida. – Dinheiro jogado fora, resmungava tomando o devido cuidado em guardá-lo na bolsa.

Já no ônibus sentou-se. Ia pegar a revista, mas se deixou seduzir pelo livrinho, indo diretamente ao Índice. Leu por alguns minutos e sentiu um frio descer à espinha.

Na empresa, sentada à mesa não pensava outra coisa senão no sonho estranho, o qual parecia incendiar sua mente como sarça ardente. Sentiu que estava ficando louca. Saiu desesperada sem avisar ninguém. Queria chegar logo em casa, deitar-se na cama e esperar findar-se aquele dia horrível.

Chegou a casa esbaforida e assustada, como se estivesse fugindo de um assaltante ou de um outro malfeitor qualquer.

- Que alívio! exclamava ao mesmo tempo em que desmoronava sobre o sofá, dormindo logo em seguida.

Á meia-noite acordou aos gritos. Sentia que estava sendo perseguida. Correu às portas e janelas, queria confirmar se estavam realmente fechadas. Repetiu isso várias vezes, desesperada.

Dois vizinhos bateram na porta. Queriam saber se estava tudo bem, se necessitava de ajuda. Ela não abriu. Em vez disso empurrou o sofá encostando-o à porta de entrada.

- Malditos, aqui vocês não entram! vociferava aos berros. Parecia um animal acuado diante de seu violento predador.


O dia amanheceu com uma viatura da polícia na calçada. Dentro de casa havia um silêncio sepulcral. Logo a seguir veio uma ambulância. Desceram dois homens vestidos de branco, os quais, juntamente com o policial arrombaram a porta. Entraram. Subiram às escadas. Adentraram no quarto. Lá estava ela deitada sobre a cama, os olhos esbugalhados, com a cabeça raspada e nua, completamente nua... do mesmo modo como estava no sonho.


Janeiro, 2014.

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