sexta-feira, 2 de outubro de 2015

Iba Mendes: "O Último Adeus"

O ÚLTIMO ADEUS

Sentado numa cadeira estilo “Luís XV” fumava seu velho cachimbo de barro, pensando na vida e nas mulheres que amou.

Não foram muitas, mas o bastante para prolongadas digressões e refletidas baforadas.

Havia 15 anos que perdera sua última esposa. De lá para cá se manteve  todo o tempo como um verdadeiro celibatário. Dizia que não tinha idade nem paciência para começar tudo outra vez:

- Mulher é um bicho muito bom, mas dá um trabalho! pilheriava com alguns amigos.

Sua opção pela auto-clausura não se deveu, entretanto, à falta de oportunidades. Desde sua viuvez muitas foram as pretendentes, algumas das quais, diga-se de passagem, na chamada “flor da idade”.

Não teve filho. Quanto a isto costumava brincar, parafraseando o nosso Machado de Assis, nas suas “Memórias de Brás Cubas”:

- Não tive filhos, e não transmitirei  a nenhuma criatura o legado do meu cachimbo.

Vivia sozinho numa pequena casa na esquina de uma das mais antigas ruas da cidade. Foi ali que  conheceu seu grande amor. Foi ali que o perdeu. E era ali onde desejava permanecer até o seu derradeiro adeus.

Recebia poucas visitas, e tinha a seu favor uma saúde rara para a idade. Costumava afirmar que foi apenas três vezes aos médicos. E quando indagado sobre os motivos, respondia:

- Eu fui foi no enterro deles!

Não frequentava nenhuma religião, mas tinha na Bíblia seu livro de cabeceira. Possuía também uma pequena biblioteca com cerca de 200 livros, dos quais a obra completa de Machado de Assis e Manuel Bandeira.

Não gostava de televisão, mas tinha um apreço inestimável pelo rádio, principalmente pelas programações com músicas do seu tempo: -  Não para lembrar o passado, explicava, mas para comemorar o presente, as coisas boas da vida, como o meu café e o meu cachimbo.

Nunca fora visto queixando-se ou lastimando-se por algum desregramento cometido nos tempos de outrora. Repetia sempre, fazendo uso do poeta, “que seus ombros não podiam suportar o mundo”.

- Deixo minhas culpas para vocês que se incomodam tanto com elas, gracejava.

Acostumou-se a esquecer seus aniversários. Até sua idade não fazia nenhuma questão de lembrar.

- Depois dos oitenta, o que vier é lucro! galhofava com muito bom humor.

Era domingo de um deslumbrante ensolarado. Foi à feira pública comprar roupa nova e um par de sapatos.

- Arrumou namorada? indagou num tom espirituoso o dono da banca.

- Nada, vou fazer uma  viagem longa, replicou com aquele seu riso espontâneo.

Dias depois bateram à porta, que estava apenas encostada. Entraram. Chamaram-no pelo nome. Ouviam-se  vozes, era o rádio ligado. Percorreram cada recinto da casa. Não havia ninguém. Sobre o rádio estava o cachimbo e um pedaço de papel  com o seguinte trecho de um conhecido poema de Manuel Bandeira: “Vou-me embora pra Pasárgada... Lá tenho a mulher que eu quero... Na cama que escolherei”. 


Foi este seu último adeus.

Janeiro, 2014.

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