O ÚLTIMO ADEUS
Sentado numa cadeira estilo
“Luís XV” fumava seu velho cachimbo de barro, pensando na vida e nas mulheres
que amou.
Não foram muitas, mas o
bastante para prolongadas digressões e refletidas baforadas.
Havia 15 anos que perdera sua
última esposa. De lá para cá se manteve
todo o tempo como um verdadeiro celibatário. Dizia que não tinha idade
nem paciência para começar tudo outra vez:
- Mulher é um bicho muito bom,
mas dá um trabalho! pilheriava com alguns amigos.
Sua opção pela auto-clausura
não se deveu, entretanto, à falta de oportunidades. Desde sua viuvez muitas
foram as pretendentes, algumas das quais, diga-se de passagem, na chamada “flor
da idade”.
Não teve filho. Quanto a isto
costumava brincar, parafraseando o nosso Machado de Assis, nas suas “Memórias
de Brás Cubas”:
- Não tive filhos, e não
transmitirei a nenhuma criatura o legado
do meu cachimbo.
Vivia sozinho numa pequena
casa na esquina de uma das mais antigas ruas da cidade. Foi ali que conheceu seu grande amor. Foi ali que o
perdeu. E era ali onde desejava permanecer até o seu derradeiro adeus.
Recebia poucas visitas, e
tinha a seu favor uma saúde rara para a idade. Costumava afirmar que foi apenas
três vezes aos médicos. E quando indagado sobre os motivos, respondia:
- Eu fui foi no enterro deles!
Não frequentava nenhuma
religião, mas tinha na Bíblia seu livro de cabeceira. Possuía também uma
pequena biblioteca com cerca de 200 livros, dos quais a obra completa de
Machado de Assis e Manuel Bandeira.
Não gostava de televisão, mas
tinha um apreço inestimável pelo rádio, principalmente pelas programações com
músicas do seu tempo: - Não para lembrar
o passado, explicava, mas para comemorar o presente, as coisas boas da vida,
como o meu café e o meu cachimbo.
Nunca fora visto queixando-se
ou lastimando-se por algum desregramento cometido nos tempos de outrora.
Repetia sempre, fazendo uso do poeta, “que seus ombros não podiam suportar o
mundo”.
- Deixo minhas culpas para
vocês que se incomodam tanto com elas, gracejava.
Acostumou-se a esquecer seus
aniversários. Até sua idade não fazia nenhuma questão de lembrar.
- Depois dos oitenta, o que
vier é lucro! galhofava com muito bom humor.
Era domingo de um deslumbrante
ensolarado. Foi à feira pública comprar roupa nova e um par de sapatos.
- Arrumou namorada? indagou
num tom espirituoso o dono da banca.
- Nada, vou fazer uma viagem longa, replicou com aquele seu riso
espontâneo.
Dias depois bateram à porta,
que estava apenas encostada. Entraram. Chamaram-no pelo nome. Ouviam-se vozes, era o rádio ligado. Percorreram cada
recinto da casa. Não havia ninguém. Sobre o rádio estava o cachimbo e um pedaço
de papel com o seguinte trecho de um conhecido
poema de Manuel Bandeira: “Vou-me embora pra Pasárgada... Lá tenho a mulher que
eu quero... Na cama que escolherei”.
Foi este seu último adeus.
Janeiro, 2014.
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