A SANTA
Era uma mulher triste; gostava
de rezar costumeiramente às 18 horas, quando tocava no rádio a “ave-maria”.
Nesse dia, contudo, ela não
rezou. Havia 15 anos que não falhara um só dia sua prática habitual de devoção.
Se a causa foi o esquecimento,
este deve ter sido acompanhado por alguma doença grave, posto que prometera a
Deus por meio de uma solene promessa que manteria esta regra todos os dias até
o último dia de sua vida.
No dia seguinte nada havia em
sua aparência que pudesse denotar sintoma de alguma moléstia; tampouco se
notava alguma alteração na maneira de conduzir seus afazeres domésticos. Tudo
estava como dantes, exceto seu compromisso com a “ave-maria”.
Passou-se uma semana sem
rezas. No horário em que outrora praticava suas orações, ligava o rádio para
ouvir Roberto Carlos, ao mesmo tempo em que
diariamente preparava o jantar para a mãe, há muito enferma e de cama.
A mãe, embora houvesse
percebido a mudança, não se atrevia a perguntar a razão, temendo alguma reação
que a deixasse irritada ou que a fizesse sofrer: “Vai ver arrumou um
homem”, pensava a padecente.
Não se sabe, porém, de nenhum
homem; e se houvesse, tratava-se de um romance muito bem dissimulado,
afinal, ela nunca fora vista em
circunstâncias que pudesse denunciar um caso amoroso. Nunca.
O fato é que já havia se
passado um ano desde a sua última reza, sem nenhuma resposta para tão súbita
transformação.
Aproximando-se seu
aniversário, a enfermidade da mãe agravou-se sobremaneira. Era caso certo de
morte. Restavam-lhe alguns dias, talvez dois, diziam os médicos.
- Filha, você sabe que estou
indo dessa pra melhor – balbuciava com gemidos a velha. - Faz um ano que algo
atormenta minha cabeça; uma pergunta a qual, por receio, sempre evitei fazer,
mas creio que agora é chegado o momento.
- Pergunte minha mãezinha,
pergunte.
- Há 15 anos você fez um voto
a Deus, lembra-se?
- Sim, minha mãe – respondeu
visivelmente agitada.
- Então, há um ano que você
não cumpre mais seu voto. Por que, filha?
Neste instante a enferma é
acometida de uma violenta convulsão e morre. A filha, desesperada, aproxima seu
rosto do ouvido da defunta e diz:
- É que nunca acreditei em
Deus, minha mãe, e chora copiosamente.
Janeiro, 2014.
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