sexta-feira, 2 de outubro de 2015

Iba Mendes: "A árvore que despencou no chão"

A ÁRVORE QUE DESPENCOU NO CHÃO

Era uma vez uma árvore frondosa, imponente e repleta de grandes e viçosos galhos. Todo aquele que tinha o raro privilégio de vê-la, ficava como que estático e extático tamanha era sua beleza e exuberância. Por isso ela atraía a atenção de pessoas de todo o mundo, sendo assunto desde os ébrios nos botequins até os doutos e mestres nos grandes centros universitários. Havia nela, por assim dizer, certo encantamento que a tornava uma árvore verdadeiramente única, ímpar e sem igual em toda face da terra.

E toda essa singularidade residia no fato de seus galhos serem maravilhosamente compostos de uma infinidade de seres vivos, todos numa rígida e compassada inter-relação, numa progressiva evolução rumo à suprema perfeição natural. Nos galhos de baixo estavam os vermes, sendo por isso considerados os seres menos dignos de todo o arbusto; a seguir vinham os répteis, depois as aves, os mamíferos e, por fim, no seu mais alto cume, aparecia ostentosamente o homem , a obra máxima da seleção natural.

O tempo passou e com ele aumentava o respeito e o apreço pelo insigne vegetal. Quem, por necedade e negligência ousava contestar sua relevância para o bem da humanidade, era imediatamente silenciado ou obrigado a rever sua postura anátema.

- Hereges malditos! diziam seus mais audaciosos defensores. - Como ousam questionar o inquestionável? indagavam inconformados com tamanha heresia.

Mas as árvores envelhecem, e os vestígios do tempo foram lhe tornando a cada dia mais e mais frágil. Ademais, alguns mais ousados, que traziam em si certa desconfiança, na calada da noite, resolveram investigar de perto o que realmente se passava com aquele majestoso vegetal. Essas inquirições tornaram-se freqüente e, aos poucos, descobriu-se que muitos dos seus galhos foram postos ali artificialmente, e não como conseqüência da ação invisível da seleção natural, como supunha a unanimidade acadêmica. Porém, o receio falou mais alto.

Mas o tempo continuou a passar.

Foi então que, num belo dia, num desses dias em que o sol parece brincar de rei, a árvore, pela primeira e única vez balançou. Tal acontecimento trouxe enorme comoção mundial, e a notícia se espalhou aos quadrantes da terra. Milhares de pessoas vieram então vê-la, quiçá, pela última vez. Ao seu redor havia aglomerações de repórteres que lançavam aos lares a chocante imagem da árvore a balançar. Até que, de repente, num lapso de tempo, eis que a árvore despenca e, como água de cachoeira, desfalece no chão.

Houve choros, lamentações e alguns até se lançaram em precipícios em profundo desespero. Mas nada se podia fazer. O grandioso vegetal estava por fim inerte ao chão. Logo vieram os especialistas, os quais, munidos das mais avançadas técnicas e equipamentos, tentavam descobrir a causa de a grande árvore ter capitulado. O resultado foi rápido e sucinto:


A árvore era uma grande farsa, e os seres que nela ornavam nada mais eram do que produtos da astuta ação de certo naturalista, o qual, desejoso de ver sua teoria estabelecida, conseguiu a proeza de fazê-la real ante os olhos até mesmo dos grandes sábios de toda a terra.

São Paulo, 2008.

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