RESSUSCITADO
EM SÃO PAULO
Não se
sabe como, mas o fato é que, depois de 100 anos enterrado, viu-se em carne e
osso e de paletó e gravata bem no centro da Avenida Paulista, em São Paulo.
Morrera exatamente no dia 27 de fevereiro de 1895, às 23 horas e 12 minutos,
vítima, segundo obituário da época, do “Cholera-morbus”. Fora enterrado no
Cemitério da Consolação, em cuja lápide se via escrito:
“Aqui jaz
Sebastião
Alves,
homem
íntegro e temente a Deus”.
Quando
vivo morava naquele mesmo local, numa belíssima mansão construída por obra de
um famoso arquiteto italiano. Era homem de posse, um rico fazendeiro, dono de
imensos cafezais na região de Ribeirão Preto, interior da Capital.
Estava
ali, terrivelmente confuso. Que havia ressuscitado não tinha nenhuma dúvida,
porém, sua hesitação consistia em saber se estava no céu, no purgatório ou no
inferno.
Inicialmente
acreditou que estava ali para purgar seus pecados. Quando vivo, era um homem
religioso, que frequentava regularmente à missa e que, vez ou outra, compadecia
dos necessitados com suas esmolas. É bem verdade que andou algumas vezes pelos
lupanares ou alcoices da cidade, mas naqueles idos tempos essa era uma prática
comum entre os homens sérios de família. Por isso, se não se achava digno do
paraíso, também não se via merecedor do inferno.
Em frente
a um enorme arranha-céu contemplava aquele vaivém de pessoas apressadas, que
falavam sozinhas, com estranhos objetos ao pé do ouvido, aquelas máquinas que
circulavam velozmente de um a outro lado com pessoas dentro, aquele barulho
estarrecedor que incomodava seus tímpanos, e imaginou que poderia está no
subterrâneo dos infernos. Para se certificar que estava realmente no hades,
buscou enxergar algo que se assemelhasse à figura do demônio, com chifres,
rabos, olhos fumegantes e asas. Neste instante um enorme objeto com asas
cortava os céus da imensa Avenida, foi quando aventou a ideia de que poderia
está entre anjos em alguma parte do paraíso.
Um
turbilhão de pensamentos desordenados aflorou sua mente perplexa, ficando ali
quase que imobilizado, sem saber o que fazer e para onde ir. Não podia
conjecturar que estava no lugar onde outrora vivera com a mulher e seus oito
filhos, e onde construiu um patrimônio que lhe rendeu títulos e méritos. Andou
um pouco mais e notou algo que poderia ser-lhe familiar. Era o belo Parque
Trianon, um oásis verde bem no meio do caos de concreto de São Paulo. Ficou
ainda mais perplexo, e já não podia distinguir se aquilo era o purgatório, se o
céu ou o inferno.
Sem falar
com ninguém e se sentindo totalmente exposto ao abandono, andou mais um pouco
e, estupefato, leu numa placa azul: AVENIDA PAULISTA. Neste instante presumiu a
ideia de que poderia está no lugar onde vivera e morrera, e seu coração se
alegrou sobremaneira. O que fazer? pensou. Estaria algum neto ainda vivo? E
seus bisnetos e herdeiros da sua linhagem, por onde andariam? Logo, porém,
estremeceu ao julgar, segundo certas probabilidades, que não encontraria mais
ninguém da sua família, e chorou.
Seguiu
adiante e entrou na Rua da Consolação. Andou mais um pouco e parou em frente ao
cemitério, reconhecendo-o como o local onde havia sido sepultado, no dia 28 de
fevereiro de 1895, às 17 horas e 13 minutos. Entrou. Seu túmulo ainda estava
lá, mas sem o epitáfio. Estacionou com grande espanto em frente ao sepulcro.
Seu coração acelerou. Suas mãos tremeram. Seu corpo estremeceu, e tombou pela
segunda vez.
Fevereiro/2015.
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