
A CIDADE EM
PRETO E BRANCO
Depois de
uma noite longa e marcada por fortes tempestades, a cidade amanheceu em preto e
branco. As ruas foram tomadas de um espantoso alvoroço e as pessoas que ali se
desesperavam viam-se umas às outras como se estivessem nas páginas de uma
antiga revista do século XIX: em preto e branco.
Alertadas
sobre o evento, autoridades da capital compareceram ao local a fim de verificar
o ocorrido, e ficaram estupefatas ao se verem, também, em preto e branco.
O
estranho fenômeno estava circunscrito geograficamente dentro dos rígidos
limites da cidade, de modo que, ao se retirarem dali, as pessoas livravam-se
dele, e, ao entrarem, viam-se como que inseridas no velho tubo iconoscópico
inventado por Vladimir Zworykin.
Cientistas
do mundo todo peregrinaram até a cidade, na tentativa de decifrar o enigma e,
quem sabe, encontrar uma solução que pudesse reverter o surpreendente
acontecimento. Todavia, após inúmeras pesquisas, concluíram que tudo não
passava de um estrondoso mistério, cabendo ao governo a incumbência de um
desfecho para o caso. Este publicou uma resolução com a qual determinou que os
moradores deveriam abandonar a cidade e que buscassem refúgio nos municípios
vizinhos, afiançando-lhes que tão logo se resolvesse o problema, poderiam
retornar normalmente para seus lares.
Decorrida
uma semana, a cidade estava deserta, totalmente abandonada, ficando seus
arredores vigiados dia e noite pelo exército, que proibia a entrada de qualquer
pessoa, não importando as razões ou as circunstâncias. Meses depois ergueram um
gigantesco muro ao seu redor, com um pequeno portão de ferro maciço, e
declararam o local como área restrita e impenetrável, restando ao incauto
aventureiro que ousasse penetrar ali, uma severa pena e multa por crime de
desobediência pública.
Ao correr
dos anos, alguns moradores da redondeza alertaram terem ouvido sons a soar à
noite de dentro dos muros da cidade, como se fosse uma orquestra bem afinada, e
vozes “como de anjos”, diziam. Outros relatavam terem visto luzes
fosforescentes a cintilar por entre os muros na calada da noite, entre uivos de
lobos e chacais. Havia também aqueles que “juravam de pés juntos” que
presenciaram algo assemelhando a uma nave espacial pousando no interior da
cidade, atribuindo ao fato a ação de extraterrestres ou seres alienígenas. Esse
aglomerado de boatos chegou aos ouvidos das autoridades, que deliberaram
adentrar os muros da misteriosa cidade, a fim de aquietar os ânimos e acabar de
vez com as especulações, as quais poderiam ser geradoras de motins e rebeliões.
E o
portão de ferro foi aberto para a entrada dos representantes do Governo. Ao
redor, uma multidão de pessoas aguardava ansiosa e apreensiva alguma notícia
que pudessem mudar suas vidas agitadas. Não houve notícias porque os
representantes do Governo não retornaram. Este fato fez aumentar ainda mais o
medo e a inquietação entre os habitantes da região, o que levou as autoridades
a intervir com a ação do exército.
Homens
das Forças Armadas, devidamente preparados, penetram na cidade, ainda sob o
olhar aterrorizado da multidão. Mas estes também não regressaram. O povo,
apavorado, uniu-se em grupos e investiu com martelos contra os muros da cidade,
evento este que ficou conhecido como a “Revolta dos Martelos”.
Parte do
muro veio ao chão e a multidão furiosa alcançou o interior da cidade, que se
encontrava do mesmo jeito que antes, em preto e branco. Os representantes do
governo e os soldados do exército foram achados dormindo serenamente embaixo de
árvores, enquanto o vento espalhava sua brisa suave e tranquila. Tudo ali
descolorido, em cores mortas, exceto o velho cemitério, que se destacava por
suas cores vivas, assim como seus mortos.
Fevereiro,
2015.
Nenhum comentário:
Postar um comentário