sexta-feira, 2 de outubro de 2015

Iba Mendes: "O Velho"

O VELHO

Conta-se que um certo moço, no esplendor de sua juventude, estava enfastiado de sua mocidade e nutria de grande inveja dos anciões. Dizia a todos que os instantes de maior felicidade eram aqueles em que se imaginava velho e de barbas longas e brancas. Por isso, nunca era visto entre os da sua idade ou fazendo aquilo que normalmente fazem os jovens. Ao contrário, gostava de frequentar os lugares próprios para os velhos e se divertir junto com eles.
Esse seu surpreendente apreço pelo o senil, o levou a adquirir hábitos que se tornaram demasiadamente estranhos aos olhos de quase toda a cidade, e inaceitáveis para os mais íntimos. Passou a vestir-se à maneira dos idosos, andava de bengala e meio giboso como eles, deixou a barba crescer e começou a se interessar por filosofia e literatura antiga.
Alguns acreditavam que tinha perdido o juízo e que deveria ser atirado ao manicômio, ou “ao asilo”, diziam outros com sarcástica ironia. Quantos aos próprios velhos, as opiniões divergiam. Havia aqueles que viam nas atitudes do rapaz um exemplo inspirador de veneração e de respeito, o qual, por seus méritos, merecia ser compreendido e imitado; a maioria, porém, seguia pelo mesmo bojo da multidão, que o tomava como demente e alienado.
O tempo, entretanto, mostrou que o excêntrico modo de agir do moço não indicava qualquer sinal de demência ou alienação. Em vez disso, tornavam-no gentil e benevolente com todos, especialmente com os de mais idade, e de tal modo que conquistou a simpatia e o respeito deles.
Mas esse mesmo tempo, como bem disse um outro bom velho, é um rato roedor das coisas, que as diminui ou altera no sentido de lhes dar outro aspecto. E foi assim que envelheceu o nosso jovem.
Aos setenta anos, sentia-se cansado e saudoso dos velhos anos que não voltam mais. A velhice o havia surpreendido e agora amava a juventude como nunca havia amado antes. Amava e desejava o que não tinha.
Com o passar dos anos, ficou desgostoso e passou a imitar os jovens, a querer ser jovem. Fez a barba e tentou, em vão, livrar-se da bengala. Esforçava-se para mostrar que podia fazer as mesmas proezas de antanho, e muitas vezes teve de ser levantado, em praça pública, ante os risos dos mancebos e das donzelas. Alardeava aos quatro ventos que odiava a velhice e maldizia as cãs embranquecidas. Sofria assim sua decrepitude mental e física.

Em certo dia, descansava de sua velhice debaixo de uma frondosa e refrescante árvore, quando um moço, na áurea de sua juventude, passava por ali e ouviu-o murmurar algumas palavras confusas. Aproximou-se dele e perguntou-lhe se estava bem, se precisava de alguma coisa, se queria conversar... O idoso ergueu-se cambaleando, acercou-lhe e o abraçou tão fortemente que parecia sentir ali sua própria alma, eterna e jovem.

Fevereiro/2015.

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