sexta-feira, 2 de outubro de 2015

Iba Mendes: "O Inadimplente"

O INADIMPLENTE

Chegou cansado. Atirou-se ao sofá. Um sentimento de fracasso e culpa domina-lhe a alma. Queria voltar atrás e tentar apenas uma vez mais. Por que se esquivou de forma tão humilhante daquela incumbência? Não era assim tão complicado executá-la, afinal, gente medíocre como o Policarpo já o fizera e outros da sua mesma laia. Agora não teria outra oportunidade. Voltaria na segunda-feira cabisbaixo e com seus brios aviltados. As pessoas o olharão como um derrotado, um pobre diabo incapaz de tomar decisões e de andar com suas próprias pernas.

Pensa em não retornar. Imagina um ambiente hostil, com golfadas de risos e pessoas nos escaninhos fazendo piadas e mofando entre si de seu malogro. Mas precisa voltar. As contas não param de chegar e já está inadimplente a mais de três meses do aluguel. Há 30 dias recebera ordem judicial para desocupação voluntária do imóvel. Não o fez ainda.

A cabeça dói. Para se distrair retira aleatoriamente um velho livro da estante. Leu cinco ou seis páginas do “Angústia”, mas não consegue concentrar-se na leitura. Liga a TV. O programa parece tedioso. Por fim, deita-se e só tarde consegue dormir.

É sábado. Acorda cedo. A cabeça ainda dói. Sem apetite, engole o café rapidamente e sai em busca de um remédio para aliviar sua dor. De volta a casa, prossegue a leitura do livro. Vê-se ali nas linhas e entrelinhas como parte do enredo. Cansado, deita e cochila.

Domingo. Acorda agitado e resmungando monossílabos confusos. De quando em quando mira o espelho como se estivesse despido diante de uma imensa platéia. Pronuncia frases intrincadas enquanto anda de um lado para o outro. Pensamentos ruins invadem-lhe o espírito. Enfim, decide que não iria ser motivo de escárnio para aquela gente desqualificada. Não retornaria mais lá. Não, não iria...

Segunda-feira. Ainda na cama ouviu bater palmas lá fora. Veste-se apressadamente. Abra a porta. É o Oficial de Justiça acompanhado de força policial, incumbidos no cumprimento da diligência de despejo.

Fica alguns instantes silencioso, a olhar para o relógio.  Pede ao representante do governo que aguarde alguns minutos. Aparece logo em seguida e lhe entrega as chaves. Enquanto isso, sai em disparada com uma mochila nas costas.


Chega ao trabalho ofegante e com alguma desordem nos cabelos.  Senta, abaixa a cabeça, fecha os olhos e pensa na vida. À frente só papéis e carimbos; na cabeça, só dúvidas e dívidas...


Janeiro, 2015.

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