MISTÉRIOS
Sempre
foi avesso a superstições e via as crendices populares como coisa de gente
ignorante e sem instrução. Agora, passando ali no Viaduto do Chá, no Centro de
São Paulo, sente-se como que atraído pela movimentação das videntes, que deitam
suas cartas e adivinham o futuro dos passantes. Três ciganas com suas bocas
reluzentes de ouro aproximam-se dele e lhes oferecem para ler a mão. Titubeando
em seu ceticismo, pensa em ceder aos insistentes apelos das profetisas de rua,
porém, fica confuso, declina da oferta e sai andando.
Segue
introspectivo e invoca Hamlet, o qual fez notar a Horácio que há mais coisas no
céu e na terra do que sonha a nossa vã filosofia. Enche-se de curiosidade e se
convence que nada há a perder em... Ademais, ninguém precisa ficar sabendo.
Ao
retornar no fim da tarde pelo viaduto, estaciona ali e fica a espiar as
cartomantes debaixo de seus imensos guarda-sóis. Permanece assim parado por
alguns minutos, quando uma delas, notando seu estado de inquietação, manda-o
aproximar fazendo um sinal com a mão, ao que ele atende de pronto.
-
Sente-se. O senhor parece desejoso por conhecer o seu futuro, estou certa?
- Creio
que sim, respondeu ele olhando para os lados e desconfiado, como se tivesse
receoso de ser visto por algum conhecido.
- Vejamos
então o que os búzios têm a dizer.
Após
invocar os orixás, a vidente toma os búzios, fricciona-os mansamente e ergue as
mãos até a fronte, movimentando-as de um lado para o outro. Em seguida
esparrama os objetos sobre uma pequena mesa, mantendo o olhar fixo no cliente,
que se mostra a todo tempo alerta e apreensivo.
- Hum...
Aqui diz que o senhor está arrostado com dois grandes problemas, um na área
financeira e o outro na esfera amorosa. Os búzios tem razão?
Ele a
encarou espantado e disse que sim, que realmente está passando por grandes
dificuldades financeiras, e que no âmbito amoroso estava tudo indo de mal a
pior.
- Os
búzios revelam ainda, continua ela, que muito em breve experimentará grandes
mudanças. Até lá, arremata como que perscrutando seus pensamentos, mantenha a
serenidade de espírito e busque apegar-se com os orixás.
Num
suspiro aliviado, ele tira uma nota de cinquenta reais, e dá-lha. Ela sorri com
um ar de quem ganhara o dia. O valor combinado era de vinte reais.
- Volte
outras vezes, despede-se ela como se quisesse vê-lo no dia seguinte.
Abrimos
aqui um parêntese para esclarecer que o nosso homem estava separado há seis
meses da mulher, com a qual pretendia reatar a relação. Ela, porém, já aspirava
novos ares e vivia feliz ao lado de outro, um baiano que conhecera ainda quando
era solteira e com o qual tencionava ir ao altar pela segunda vez. É preciso esclarecer
ainda que ele trabalhava numa repartição pública do Estado, nomeado há dois
anos por influência de um parente, amigo de um deputado. Uma vez que este saíra
derrotado na última eleição, vivia na expectativa de ser exonerado, o que lhe
trazia grandes inquietações.
Não
demorou muito e as mudanças começaram a cair como as tempestades de verão. Não
sabemos se foi o resultado dos búzios, por influência dos orixás. O fato é que
perdera o emprego e amargara o desgosto de ver a mulher contrair novas núpcias
com outro homem.
“...Muito
em breve experimentará grandes mudanças”.
Pensou
nas palavras da vidente e traduziu nelas um mistério. Ela previu que ocorreriam
mudanças, mas não especificou se seriam boas ou ruins.
Se lhe
não baixavam os orixás, descia-lhe Hamlet: “Há mais coisas no céu e na terra do
que sonha o nosso ceticismo”. Foi assim
que se lhe brotou um desejo ardente em consultá-la só mais uma vez...
Ora, que perdia ele se...
Março/2015.
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