sexta-feira, 2 de outubro de 2015

Iba Mendes: "Mistérios"

MISTÉRIOS

Sempre foi avesso a superstições e via as crendices populares como coisa de gente ignorante e sem instrução. Agora, passando ali no Viaduto do Chá, no Centro de São Paulo, sente-se como que atraído pela movimentação das videntes, que deitam suas cartas e adivinham o futuro dos passantes. Três ciganas com suas bocas reluzentes de ouro aproximam-se dele e lhes oferecem para ler a mão. Titubeando em seu ceticismo, pensa em ceder aos insistentes apelos das profetisas de rua, porém, fica confuso, declina da oferta e sai andando.
Segue introspectivo e invoca Hamlet, o qual fez notar a Horácio que há mais coisas no céu e na terra do que sonha a nossa vã filosofia. Enche-se de curiosidade e se convence que nada há a perder em... Ademais, ninguém precisa ficar sabendo.
Ao retornar no fim da tarde pelo viaduto, estaciona ali e fica a espiar as cartomantes debaixo de seus imensos guarda-sóis. Permanece assim parado por alguns minutos, quando uma delas, notando seu estado de inquietação, manda-o aproximar fazendo um sinal com a mão, ao que ele atende de pronto.
- Sente-se. O senhor parece desejoso por conhecer o seu futuro, estou certa?
- Creio que sim, respondeu ele olhando para os lados e desconfiado, como se tivesse receoso de ser visto por algum conhecido.
- Vejamos então o que os búzios têm a dizer.
Após invocar os orixás, a vidente toma os búzios, fricciona-os mansamente e ergue as mãos até a fronte, movimentando-as de um lado para o outro. Em seguida esparrama os objetos sobre uma pequena mesa, mantendo o olhar fixo no cliente, que se mostra a todo tempo alerta e apreensivo.
- Hum... Aqui diz que o senhor está arrostado com dois grandes problemas, um na área financeira e o outro na esfera amorosa. Os búzios tem razão?
Ele a encarou espantado e disse que sim, que realmente está passando por grandes dificuldades financeiras, e que no âmbito amoroso estava tudo indo de mal a pior.
- Os búzios revelam ainda, continua ela, que muito em breve experimentará grandes mudanças. Até lá, arremata como que perscrutando seus pensamentos, mantenha a serenidade de espírito e busque apegar-se com os orixás.
Num suspiro aliviado, ele tira uma nota de cinquenta reais, e dá-lha. Ela sorri com um ar de quem ganhara o dia. O valor combinado era de vinte reais.
- Volte outras vezes, despede-se ela como se quisesse vê-lo no dia seguinte.
Abrimos aqui um parêntese para esclarecer que o nosso homem estava separado há seis meses da mulher, com a qual pretendia reatar a relação. Ela, porém, já aspirava novos ares e vivia feliz ao lado de outro, um baiano que conhecera ainda quando era solteira e com o qual tencionava ir ao altar pela segunda vez. É preciso esclarecer ainda que ele trabalhava numa repartição pública do Estado, nomeado há dois anos por influência de um parente, amigo de um deputado. Uma vez que este saíra derrotado na última eleição, vivia na expectativa de ser exonerado, o que lhe trazia grandes inquietações.
Não demorou muito e as mudanças começaram a cair como as tempestades de verão. Não sabemos se foi o resultado dos búzios, por influência dos orixás. O fato é que perdera o emprego e amargara o desgosto de ver a mulher contrair novas núpcias com outro homem.
“...Muito em breve experimentará grandes mudanças”.
Pensou nas palavras da vidente e traduziu nelas um mistério. Ela previu que ocorreriam mudanças, mas não especificou se seriam boas ou ruins.

Se lhe não baixavam os orixás, descia-lhe Hamlet: “Há mais coisas no céu e na terra do que sonha o nosso ceticismo”. Foi assim  que se lhe brotou um desejo ardente em consultá-la só mais uma vez... Ora, que perdia ele se...


Março/2015.

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