sexta-feira, 23 de outubro de 2015

Bocage: "5 Poemas"

SONETO DE TODAS AS PUTAS

Não lamentes, ó Nize, o teu estado;
Puta tem sido muita gente boa;
Putíssimas fidalgas tem Lisboa,
Milhões de vezes putas têm reinado;

Dido foi puta, e puta de um soldado;
Cleópatra por puta alcançou a coroa;
Tu, Lucrécia, com toda a tua proa,
O teu cono não passa por honrado: (cona)

Essa da Rússia imperatriz famosa,
Que ainda há pouco morreu (diz a Gazeta)
Entre mil piças expirou vaidosa;

Todas no mundo dão a sua greta;
Não fiques pois, ó Nize, duvidosa
Que isso de virgem e honra é tudo peta.



SONETO DE TODOS OS CORNOS

Não lamentes, Alcino, o teu estado,
Corno tem sido muita gente boa;
Corníssimos fidalgos tem Lisboa,
Milhões de vezes cornos têm reinado.

Siceu foi corno, e corno de um soldado;
Marco António por corno perdeu coroa;
Anfitrião com toda a sua proa
Na fábula não passa por honrado;

Um rei Fernando foi cabrão famoso
(Segundo a antiga letra da gazeta)
E entre mil cornos expirou vaidoso;

Tudo no mundo está sujeito à greta;
Não fiques mais, Alcino, duvidoso,
Pois isto de ser corno é tudo peta.



SONETO DA COPULA CANINA

Quando no estado natural vivia
Metida pelo mato a espécie humana,
Ai da gentil menina desumana,
Que à força a greta virginal abria!

Entrou o estado social um dia;
Mandou a lei que o irmão não foda a mana,
É crime até chuchar uma sacana,
E pesa a excomunhão na sodomia;

Quanto, lascivos cães, sois mais ditosos!
Se na igreja gostais de uma cachorra,
Lá mesmo, perante o altar, fodeis gostosos;

Enquanto a linda moça, feita zorra,
Voltando a custo os olhos voluptuosos,
Põe num altar a vista, a ideia em porra.



SONETO DO CARALHO DECADENTE

Com quem magoas o não digo! Eu nem te vejo,
Meu caralho infeliz! Tu, que algum dia
Na gaiteira amorosa filistria
Foste o regalo do meu pátrio Tejo!

Sem te importar o feminino pejo,
Atrás da mimosa virgem, que fugia,
Ficando a terna, fadigada Armia,
Lhe pegavas no coninho um beijo.

Hoje, canal de fétida remela,
O misantropo do país das bimbas,
Apenas olha a cândida donzela!

Deitado dos colhões sobre as tarimbas,
Só com a memória em feminil canela
Às vezes pívia casual cachimbas.



SONETO DA DAMA A CAGAR

Cagando estava a dama mais formosa,
E nunca se viu cu de tanta alvura;
Porém ver cagar a formosura
Mete nojo à vontade mais gulosa!

Ela a massa expulsou fedentinosa
Com algum custo, porque estava dura;
Uma carta de amor de limpadura
Serviu àquela parte malcheirosa;

Ora mandem à moça mais bonita
Um escrito de amor que lisonjeiro
Afetos move, corações incita;

Para o ir ver servir de reposteiro
À porta, onde o fedor, e a trampa habita,

Do sombrio palácio do alcatreiro!


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Fonte
"Toda a Poesia: Antologia Poética". Poeteiro Editor Digital. São Paulo, 2015.

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