sexta-feira, 23 de outubro de 2015

Bernardo de Passos: "5 Poemas"

QUADRAS SOLTAS

Pra mentira ser segura
E atingir profundidade,
Tem que trazer à mistura
Qualquer coisa de verdade.

O rato mete o focinho
Sem pensar que faz asneira
Depois, ou larga o toucinho,
Ou fica na ratoeira.

Há pessoas muito altas
De nome ilustrado e sério
Porque o oiro tapa as faltas
Da moral e do critério.

Enquanto o homem pensar
Que vale mais que outro homem,
São como os cães a ladrar,
Não deixam comer, nem comem.

Quantas sedas aí vão,
Quantos brancos colarinhos,
São pedacinhos de pão,
Roubados aos pobrezinhos!

Sem que o discurso eu pedisse,
Ele falou; e eu escutei.
Gostei do que ele não disse;
Do que disse não gostei.


 
GLOSAS

Morre o pobre e nem caixão
Vai no esquife, que desgraça!
Para o cemitério passa
Sem padre nem sacristão!...
Quem fará esta exceção?...
Se é Deus que rege os destinos
Dos grandes e pequeninos,
E todos são filhos seus...
Pra desmentir esse Deus,
Morre o rico, dobram sinos.

Diz, padre, que leis são essas
Que servem pra ti somente...
Tu confessas toda a gente
E à gente não te confessas...
Diz por que tanto te interessas
Nesses segredos que encobres,
Porque é que não te descobres
Nos jornais ou num sermão,
Dizendo porque razão
Morre o pobre e não há dobres?

Só os ricos são gerados,
Dessa Virgem, desse Deus?...
Só eles são filhos seus
E os pobres são enteados?...
Padre, tu só tens cuidados
Com os ricos, teus compadres,
Que deixam ir as comadres
Esmolinhas oferecer
A Deus, sem ninguém saber...
Que Deus é esse dos Padres?...

Qual é o Deus que autoriza,
Ao rico, mil esplendores,
E aos pobres trabalhadores,
Nem pão, nem lar, nem camisa?...
Manda, pra quem não precisa,
O oiro, a prata e os cobres,
Palácios, honras de nobres!...
E eu, triste farrapo humano,
Julgo esse Deus um tirano,
Que não faz caso dos pobres

 

SAUDADES

Saudades de amor, são penas
Que nascem do coração...
E como as penas das aves,
Quantas mais, mais brandas são!

Meu coração fez um ninho
Como o das aves perfeito,
Juntando todas as penas
De que ele me encheu o peito...

E nesse ninho, a sonhar
Dorme, assim, horas serenas,
Como dorme um passarinho
Sobre o seu ninho de penas.


DESENCANTO

Teus olhos, cuja luz
Já me envolveu d'amor o coração
E doirou minha cruz
Do seu divino e mágico clarão...

Teus olhos, cuja graça
Já em risos passou por sobre mim,
Como pelo ermo passa
A Luz a desfolhar-se, - alvo jasmim...

Teus olhos, cujo pranto
Por mim já derramaste, quando ausente,
Cheia de dor e encanto,
Choravas de saudade, aflitamente...

Teus olhos, esses sóis
que eu adorava como o persa adora
O sol entre arrebois...
- O meu Norte, o meu Dia, a minha Aurora!

Teus olhos... porque os vi
Fitando uns outros que não são os meus,
De todo os esqueci...
E assim manchaste tu esses dois céus!...


SONETO

Tão triste eu ando já, e descontente,
Que meus olhos de todo se fecharam
A visão radiosa que sonharam...
- Um lar, um ninho, e um amor ardente...

Gastei a Mocidade loucamente,
E a alma, ou a perdi, ou m'alevaram,
Enquanto a delirar juntos andaram
Cantando amores, coração e mente...

E andando assim da Fé tão apartado,
E tão sozinho nesta solidão
De quem descrente vive do que amou.

Sou qual um tú'mlo vazio e abandonado,

só encerrando a mesma escuridão...
Sepulcro de mim próprio, eis o que sou.



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Fonte
"Toda a Poesia: Antologia Poética". Poeteiro Editor Digital. São Paulo, 2015.

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