FLOR NO GELO
Pobre criança! entre espinhos
tua inocência agoniza:
o viajante repisa
a morta flor dos caminhos.
Deixaste em noite sombria
tua grinalda ao relento...
Das flores... nem sabe o vento
que uma a uma as partia!
Enquanto em languido riso
teus lábios puros se abriam
aos sonhos que reviviam
delícias do paraíso,
tu nem cismavas, criança,
que quando a virgem fenece,
a estrela que desaparece
leva consigo a esperança!
Pobre! na alegre devesa
daquela casinha branca
onde tu' irmã, na barranca
do rio, chora em tristeza,
o campo flor não promete,
tudo na dor se consome;
e o eco esquece teu nome...
nem tua mãe o repete!
A mãe! que noites sem sono!
que mágoas naqueles dias!
que terríveis agonias
na dor d’aquele abandono!
Mas, oh! não voltes... O inverno
queimou-te as azas depressa:
e onde a irmãzinha adormeça
no casto seio materno,
não deves buscar asilo;
porque a ramagem do espinho
pode estreitar o berçinho
que se balança tranquilo!
Bem sei: — há quedas imensas
que uma lágrima resgata;
mas não sei, pobre insensata,
se revivem mortas crenças...
Se assim for, chora, criança!
talvez do pranto que caia
Deus forme a flor d'onde saia
o aroma de uma esperança!
AVE DOURADA
(N. MARTIN, Mariska)
Um pássaro cantava
sobre um ramo que flórido alvejava.
Era uma ave tão de ouro
que disseram-na — filha peregrina
do sol, o amante louro.
Como ao toque uma lamina que vibra,
á sua voz cristalina
tremia o coração, fibra por fibra.
E á minh'alma a esperança intumescia
de sonhos... mas o encanto se esvaía.
Ai! quando o verei mais, funda saudade!
o pássaro de luz da mocidade!
NA VALSA
(MÉRY)
— Uma hora.
— A pêndula mente,
meia-noite vai soar.
— Que baile este atraente!
— Soberba festa, senhora,
festa completa, nesta hora
em que estamos a valsar.
— Acha a toilette — brilhante
daquela loura mulher?
— Oh! neste suave instante
não se desprendem, sequer,
meus olhos de uma valsante
que é formosa a mais não ser.
— Não agradou-lhe o romance
cantado tão bem aqui?
— Só vivo quando valsamos...
portanto nada eu ouvi.
— Esta valsa que dançamos
é de Strauss?
— Talvez... depois
toda a valsa é tão bonita!
marca o tempo só p'ra dois!
— Neste inverno há muitos bailes...
— Eu não não frequento, não:
passo a noite ou nos teatros
ou no lar junto ao fogão.
— Tão moço! e já de neve
a mocidade cobris?
— Tenho trint'anos. Passada
a primavera dourada,
apenas cai-me esfolhada
alguma hora feliz.
— A idéia é nova!
— Tenho outra
que é também nova p'ra mim.
— Não é segredo?
— Suspeito
que vós sois viúva...
— Sim.
— E desde quando?
— há dois anos.
— E gosta da viuvez?
— Sim.
— Porque é repelente
um laço eterno, talvez...
O esposo é pouco indulgente...
— Pensai-o, se assim quereis.
— Não, a viuvez não lhe agrada;
seu sorriso assim m'o diz...
— Também só, me custa a vida:
podemos, pois, de dois males
formar destino feliz.
Assim, dá-me a sua mão?
— A minha?
— Sim; nosso estado
não impede uma união.
Seus pais...
— São vivos.
— Qu'importa?
eles jamais poderão
contrariar o destino.
Vivos, na morte eles 'stão.
— Foi seu pedido — apressado!
— Não estamos no país
da Escócia; e todo noivado
de Lamermoor é infeliz...
Não faremos festa alguma
de esponsais: — em bons caminhos
não ponho o pé nos espinhos.
Casaremos amanhã...
— Amanhã?
— Ou nunca!
— Estranho
caso igual inda não vi.
— Que tem? é cousa mais simples
que pôr um ponto no i.
— Como se chama?
— Meu nome?
Pedro ou Paulo, qual quiser.
Qu'importa o nome de um moço?
sem ter um, mais posso ter.
Sou rico. Minha fortuna
não é mesquinha, nem van:
consta de ações e de apólices...
Findou a valsa.
— Amanhã.
REMINISCÊNCIAS
Oh! não toqueis assim nesse piano...
Essa música é triste como a morte:
as notas se desprendem, como a lágrima
goteja sobre um túmulo.
A corda chora, e no contacto sente
uma outra mão que não a dele... morto.
E ao retrair-se deixa um som que é lúgubre,
ou um gemido trêmulo.
Foi seu canto de cisne... Pobre amigo!
nunca pensara desfolhar tão cedo
o risonho porvir, e cedo á glória
prender um laço fúnebre.
Não pensara deixar tão cedo a estrada
cuja poeira os louros escondiam,
e trocar as grinaldas estelíferas
pelos goivos funéreos.
Não evoqueis a sombra! no cipreste
a rola da saudade geme ainda.
A aza do tempo sobre o mármore gélido
não apagou seu dístico.
E é tão doída essa saudade imensa,
que eu vos peço, senhora: do piano
não arranqueis esse gemido extremo.
Não aperteis a cicatriz que doe-me
contra a laje de um túmulo!
PIRACICABA
Sacode os ombros
nus, oh noiva da colina,
que a luz da
madrugada encheu o largo céu;
e arranca-te das
mãos o manto da neblina
que ondula sobre o
rio, enorme e solto véu...
Ergue-te, oh
noiva! a aurora acorda e orvalha os ninhos, beija o vasto horizonte e a
pequenina flor;
levantam-se no
espaço em bando os passarinhos,
descem de além
frescura, luz e paz e amor.
Aberta pelo vento,
a úmida palmeira
agita o verde
leque em fundo todo azul;
como o cocar do
índio, em pé na cordilheira,
se abria em pleno
ar, á viração do sul...
Envoltas pela
noite, as perolas celestes
se deixarão levar
a outras amplidões:
mas eis que surge
além, entre douradas vestes,
o sol, bordando a
ti de mágicos listrões.
Desperta, oh
índia, ao sol! O rio o corpo estende
e anilado a teus
pés vai múrmur se quebrar...
ai! vendo que a
alvorada em sonhos te surpr'ende
nest'hora em que
parece á terra o céu baixar.
O rio é teu
amante. Irrompe entre colinas,
como o jaguar que
avista a companheira e vai...
mas vendo-te, ao
chegar, quão bela te reclinas,
estaca de repente,
e a fúria o arroja, e cai!
E a fúria o
arroja, e cai... Do precipício ao fundo
atira o corpo e
cava as pedras a bramar:
e espedaçado sobe,
e espedaçado afunda
no abismo que se
alarga e tenta-o sufocar!
E o dorso bate a
pedra, enraiva-se a torrente
que em cascatas do
trono erguido resvalou...
E salta a espuma
branca em chuva alvinitente
onde o íris do céu
em curva se formou...
Pela boca do
abismo as águas repelidas
enchem a vastidão
de ronco atroador:
— e rolam pelo rio
a plagas não sabidas
os murmúrios da
onda, a voz do tombador!
Depois abre-se a
cava enorme onde o combate
só n'o conhece o
rio e o abismo que o atrai:
em baixo ferve a
luta: a onda a cova bate...
por cima a calma
fria: a onda sobe e vai...
a onda sobe e vai
serena, extenuada,
depois de pelejar
perder-se além, além;
e sente á tona
d'água a quilha já cansada
trazendo o
pescador que rio acima vem.
E tu, formosa
índia, em pé sobre a colina,
sentes da onda
azul o languido bater;
Enquanto sob o véu
da trêmula neblina
ruge a cascata
além, sem vir interromper...
sem vir
interromper a paz, em que te embalas,
o amor, a luz, a
graça — adornos que são teus.
Cercou-te o
Criador de peregrinas galas...
deu-te uma terra
em flor, cheios de luz os céus.
Deu-te o horizonte
azul que tem a minha terra,
minha terra natal,
meu ninho encantador.
Só a c'roa não
tens d'essa saudosa serra
que cerca em meu
país, a várzea toda em flor.
A tua noite
envolve as mesmas estrelinhas,
a mesma poesia, a
mesma luz divina;
como lá, eu bem
sei, o bando de andorinhas,
aqui recorta o
céu, na hora vespertina!
Deixa-me, pois,
que eu sonhe, ao ver-te reclinada
banhando os alvos
pés, do rio n'onda azul,
que eu sonhe a
minha terra, a perola dourada
suspensa longe...
longe... entre as névoas do sul!
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Fonte
"Toda a Poesia: Antologia Poética". Poeteiro Editor Digital. São Paulo, 2015.
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