HINO À AURORA
E já no
campo azul do firmamento
A noite
extingue os círios palejantes,
E em silêncio
arrastando a fímbria escura
Do
tenebroso manto
Transpõe
do ocaso os montes derradeiros.
A terra,
de entre as sombras ressurgindo
Do mole
sono lânguida desperta
E qual
noiva gentil, que o esposo aguarda,
De galas
se adereça.
Rósea
filha do sol, eu te saúdo!
Formosa
virgem de cabelos d'ouro,
Que
prazenteira os passos antecedes
Do rei do
firmamento,
Em seus
caminhos flores despargindo!
Salve,
aurora! - quão donosa surges
Nos
azulados topes do oriente
Desfraldando
o teu manto aurirrosado!
Qual
cândida princesa
Que em
desalinho lânguida se erguera
Do brando
leito, em que sonhou venturas,
Tu lá no
etéreo trono vaporoso
Entre
cantos e aromas festejada,
Sorrindo
escutas os melífluos quebros
Das mil
canções com que saúda a terra
O teu
raiar sereno.
Também tu
choras, pois em minha fronte
Sinto teu
pranto, e o vejo em gotas límpidas
A cintilar
na trêmula folhagem:
Assim no
rosto da formosa virgem
- Efeito
às vezes de amoroso enleio -
Brilha
através das lágrimas o riso.
Bendiz o
viajor extraviado
Tua luz
benigna que a vereda aclara,
E mostra
ao longe fumegando os tetos
De
alvergue hospitaleiro.
Pobre
colono alegre te saúda,
Por ver em
torno do singelo colmo
Sorrir-se
vicejante a natureza,
Manso
rebanho retouçar contente,
Crescer a
messe, as flores desbrocharem;
E unindo a
voz aos cânticos da terra,
Aos céus
envia sua humilde prece.
E o
desditoso, que entre angustias vela
No
inquieto leito sôfrego volvendo-se,
Espia
ansioso o teu fulgor primeiro,
Que lhe
derrama nas feridas d'alma
Celeste
refrigério.
A ave
canora para ti reserva
De seu
cantar as mais suaves notas:
E a flor,
que expande o cálix orvalhado
As
estremes primícias te consagra
De seu
brando perfume...
Vem, casta
virgem, vem com teu sorriso,
Teus
perfumes, teu hálito amoroso,
Esta
cuidosa fronte bafejar-me;
Orvalho e
fresquidão piedosa verte
Nos
ardentes delírios de minh'alma,
E
desvanece estas visões sombrias,
Funestos
sonhos da penada noite!
Vem, ó
formosa... Mas que é feito dela?...
O sol já
mostra na brilhante esfera
O disco
ardente e a linda moça etérea
Que inda
há pouco entre flores reclinada
Sorria-se
amorosa no horizonte,
Enquanto a
saudava com meus hinos
- Imagem
do prazer, que breve dura, -
Se
esvaeceu nos ares...
Adeus,
esquiva ninfa,
Fugitiva
ilusão, aérea fada!
Adeus
também, canções enamoradas,
Adeus,
rosas de amor, adeus, sorrisos...
PRELÚDIO
Neste alaúde, que a saudade afina,
Apraz-me
às vezes descantar lembranças
De um tempo mais ditoso;
De um tempo em que entre sonhos de ventura
Minha alma
repousava adormecida
Nos braços da esperança.
Eu amo
essas lembranças, como o cisne
Ama seu
lago azul, ou como a pomba
Do bosque as sombras ama.
Eu amo
essas lembranças; deixam n'alma
Um quê de
vago e triste, que mitiga
Da vida os amargores.
Assim de
um belo dia, que esvaiu-se,
Longo
tempo nas margens do ocidente
Repousa a luz saudosa.
Eu amo
essas lembranças; são grinaldas
Que o
prazer desfolhou, murchas relíquias
De esplêndido festim;
Tristes
flores sem viço! - mas um resto
Inda
conservam do suave aroma
Que outrora enfeitiçou-nos.
Quando o
presente corre árido e triste,
E no céu
do porvir pairam sinistras
As nuvens da incerteza,
Só no
passado doce abrigo achamos
E nos
apraz fitar saudosos olhos
Na senda decorrida;
Assim de
novo um pouco se respira
Uma aura
das venturas já fruídas,
Assim revive ainda
O coração
que angústias já murcharam,
Bem como a
flor ceifada em vasos d'água
Revive alguns instantes.
EU VI DOIS PÓLOS
Eu vi dos
pólos o gigante alado
Sobre um
montão de pálidos coriscos,
Sem fazer
caso dos bulcões ariscos
Devorando
em silêncio a mão do fado.
Cinco
fatias de tufão gelado,
Figuravam
na mesa entre os petiscos,
Envolto em
crepe de fatais rabisco
Campeava o
sofisma ensanguentado.
Quem és?
Que assim me cercas de episódios
Lhe
perguntei com voz de silogismo,
Brandindo
um facho de trovões serôdios!
Eu sou, me
disse, aquele anacronismo
Que a vil
caterva de sulfúricos ódios,
Nas trevas
sepultei de um solecismo.
NARIZ PERANTE OS POETAS
Cantem
outros os olhos, os cabelos
E mil
cousas gentis
Das belas
suas: eu de minha amada
Cantar
quero o nariz
Não sei
que fado mísero e mesquinho
É este do
nariz
Que poeta
nenhum em prosa ou verso
Cantá-lo
jamais quis.
ILUSÃO DESFEITA
Acabou-se o ardor antigo,
Tenho o peito sossegado;
Nem para fingir-me irado
Acho agora em mim paixão.
(Tradução de Metastásio)
"Oh!
acredita, nunca olhar de virgem
Coou-me
n'alma tanto ardor assim;
Nunca amor
me sorriu com tanta graça
Em lábios
de carmim!
"Tu
és o anjo sonhado que minha alma
Aos céus
pedia; - a flor que em meus caminhos
Encontrei
a sorrir pura e fragrante
Do mundo
entre os espinhos.
"Pio
romeiro, irei aos pés depor-te
Oferenda
singela, porém fida;
A ti a
lira e o coração do bardo!...
A ti a
minha vida.
"Cantar-te
as graças, e mandar teu nome
Unido ao
meu aos séculos vindouros,
Seria para
mim melhor que um trono,
Melhor que
mil tesouros.
"Porém
passar meus dias a teu lado,
Ouvir-te
as falas, contemplar-te o riso,
Gozar teus
mimos, fora para esta alma
Melhor que
o paraíso!"
***
Assim
dizia-te eu naquele dia,
- O mais
doce talvez da minha vida,
Em que na
meiga luz desses teus olhos
Minha alma
vi perdida.
Foi um
sonho fugaz; - breve delírio.
De novo
tenho o coração vazio;
E se no
peito meu a mão pousares,
Achá-lo-ás
bem frio!..
Caíste
enfim da região de encantos,
A que meus
puros sonhos te elevaram;
Desfez-se
o talismã; - foram-se enganos,
Que
outrora me embalaram.
Perdeste
um coração que te adorava...
Porém que
importa? se por um, que esfria,
Mil outros
corações após teus risos
Vão
correndo à porfia.
Mas não
receies que eu maldiga aquela
Que num
momento a vida me dourara;
E que num
pego de emoções bem doces
Outrora me
entranhara.
Oh! não
receies, não, que eu te maldiga;
Graças a
ti, aprendo hoje por fim
A não crer
tanto nos fagueiros risos
De uns
lábios de rubim.
Proveitosa
lição nos fica n'alma,
Quando a
ilusão se esvai:
Deixa um
fruto no ramo, em que nascera
A
flor, que murcha e cai.
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Fonte
"Toda a Poesia: Antologia Poética". Poeteiro Editor Digital. São Paulo, 2015.
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