quinta-feira, 5 de setembro de 2013

Teófilo Braga: "O Sal e a Água"

O SAL E A ÁGUA

Um rei tinha três filhas; perguntou a cada uma delas por sua vez, qual era a mais sua amiga. A  mais velha respondeu:

– Quero mais a meu pai, do que à luz do Sol.

Respondeu a do meio:

– Gosto mais de meu pai do que de mim mesma.

A mais moça respondeu:

– Quero-lhe tanto, como a comida quer o sal.

O rei entendeu por isto que a filha mais nova o não amava tanto como as outras, e pô-la fora  do palácio. Ela foi muito triste por esse mundo, e chegou ao palácio de um rei, e aí se ofereceu  para ser cozinheira. Um dia veio à mesa um pastel muito bem feito, e o rei ao parti-lo achou  dentro um anel muito pequeno, e de grande preço. Perguntou a todas as damas da corte de  quem seria aquele anel. Todas quiseram ver se o anel lhes servia: foi passando, até que foi  chamada a cozinheira, e só a ela é que o anel servia. O príncipe viu isto e ficou logo  apaixonado por ela, pensando que era de família de nobreza.

Começou então a espreitá-la, porque ela só cozinhava às escondidas, e viu-a vestida com  trajos de princesa. Foi chamar o rei seu pai e ambos viram o caso. O rei deu licença ao filho  para casar com ela, mas a menina tirou por condição que queria cozinhar pela sua mão o  jantar do dia da boda. Para as festas de noivado convidou-se o rei que tinha três filhas, e que  pusera fora de casa a mais nova. A princesa cozinhou o jantar, mas nos manjares que haviam  de ser postos ao rei seu pai não botou sal de propósito. Todos comiam com vontade, mas só o  rei convidado é que não comia. Por fim perguntou-lhe o dono da casa, porque é que o rei não  comia? Respondeu ele, não sabendo que assistia ao casamento da filha:

– É porque a comida não tem sal.

O pai do noivo fingiu-se raivoso, e mandou que a cozinheira viesse ali dizer porque é que não  tinha botado sal na comida. Veio então a menina vestida de princesa, mas assim que o pai a  viu, conheceu-a logo, e confessou ali a sua culpa, por não ter percebido quanto era amado por  sua filha, que lhe tinha dito, que lhe queria tanto como a comida quer o sal, e que depois de  sofrer tanto nunca se queixara da injustiça de seu pai.


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Nota:Teófilo Braga: "Contos Tradicionais do Povo Português" (1883) 

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