ESTRELAS E NUVENS
Vou contar um romancinho de amores, — amores singelos,
amores de aldeia.
É tão simples a nossa historia,
como a verdade que encerra; tão natural, como um sorriso de gentil criança; tão
cândida, como a pombinha do deserto.
Ouvi-a, por uma noite de julho,
sentado á margem de saudoso regato.
Foi uma hora solene: um momento
augusto e santo!
A brisa, de envolta com o perfume
da noite, foi segredá-la ás florinhas do vergel, e estas enviaram-na ao céu.
Na terra repercutiu-se o coro dos
anjos, lamentando a desditosa sorte de seus adorados irmãos.
Por um momento, eclipsou-se o
brilho das estrelas; deixou de refletir-se a lua no seu espelho de prata.
As avezinhas não tiveram gorjeios;
cessou a viração no seu curso veloz.
Silencio sepulcral! sublime idílio!
majestoso quadro!
Falta-nos o pincel de Corregio;
não possuímos os tesouros de Petrarca, nem tão pouco a eloqüência de Demóstenes.
E é pena, na verdade!...
Cada apostolo tem a sua missão a
cumprir sobre a terra.
Sublimar a desventura, prantear a
miséria do mundo: — nada mais grandioso, e tão sinceramente edificante!
É uma evangelização despretensiosa
e nobre.
Choremos, corações ternos;
choremos e choremos muito; não tenhamos pejo de assim fazer.
Levantemos os olhos ao céu; e,
com a fronte descoberta, ouçamos a fúnebre narrativa de dois mancebos
desventurados!...
Quem não conheceu Maria, a flor
das lavadeiras?
Quem não repararia naquele
formoso querubim, que, ao sol posto, ia todo engrinaldado de rosas e lírios,
encher o seu cantarozinho de barro á fonte da terra?...
Oh!... de certo ninguém poderia
esquecer tão prontamente a linda morena, o anjo bendito?!...
Não sabe, leitor amigo, não se
lembra já daquela casinha térrea, silenciosamente circumdada de festões e madres-silva,
que existe em Cintra, lá para as bandas do Castelo?...
Pois olhe, aí mesmo nasceu aquela
rolinha; lá, coitadinha! desferiu aos ecos a inocente lenda de seus amores; e,
por fim, lá agonizou também, sem que ninguém desse por ela, nem tão pouco
imaginasse socorrê-la.
Pobre desgraçada!...
E não saber eu mais cedo a sua
historia!...
O prazer, como tudo o que é efêmero,
tem seus encantos: as lagrimas também os têm.
Maria, mui prazenteira e jovial,
vira um dia Gregório, que a esperava, junto da fonte, sempre á mesma hora: de súbito,
anuviou-se aquele rosto, profundamente celestial e gentil; contraíram-se-lhe os
músculos da face.
O amor havia penetrado em sua
alma!
Desde esse momento nunca mais se
tornou a divisar um raio de esperança e consolação naquele horizonte, outrora
tão límpido e sereno.
E Gregório, o pobre lavrador, lá
se foi triste e pensativo, caminho da aldeia, sem outra idéia que não fosse
Maria, sem outro cismar que não fosse a felicidade.
E tinha razão!...
Era jovem! Tinha aspirações!...
Assim decorreram dois anos, — dois
anos, cheios de muita esperança, e entrecortados por aflitivos suspiros!...
Gregório era tão ambicioso!...
O amor é muitas vezes caprichoso
e louco!...
E quem o havia de imaginar?!...
Gregório queria ser rico; queria
ver a sua amada, reclinada num trono de esmeraldas!...
Entre as flores queria vê-la
rainha! entre os anjos serafim! entre as mulheres majestade!
E com esta idéia, e com o demônio
da ambição, lá se foi ele a longes terras, em cata de grandes haveres!
E a pobre Maria ficou só, sozinha
com as suas lagrimas!...
Ao menos... tinha esperança!...
Ai! como é triste e pavorosa a ausência
daqueles que amamos!...
Pobre Maria!...
Que saudades se lhe não avivaram
na mente enlouquecida!...
Gregório tinha partido, havia dez
anos, sem dar noticias suas!...
Teria naufragado o triste Gregório?...
Porem não, não era possível!
Maria queria torná-lo a ver junto
de si.
Uma Virgem não abandona a súplica
de outra virgem!
Mas, apesar de tudo isso, a rosa
ia emurchecendo a olhos vistos.
De dia para dia se desfolhava uma
pétala, secava uma folha, até que, por fim, caiu de todo a haste, vergada
apenas pela branda viração do crepúsculo!
O resto... levou-o o vento!...
Eram passados três mesas.
Quem observasse atentamente
aquela pousada, onde estivera aninhada, por tantos anos, a terna andorinha,
deveria reconhecê-la desguarnecida, e quase em ruínas.
Um vulto, trajado de preto,
percorria aqueles restos sem cessar.
Era Gregório, o pobre lavrador,
que havia voltado rico, com o único fim de tornar Maria venturosa sobre a
terra.
Chegara, porem, tarde o maná do
Senhor!...
Um mês, mais tarde, ao lado do
tumulo de Maria existia outro, igualmente modesto e lúgubre.
Gregório, tomado de incurável
loucura, depois de haver arrojado toda a sua fortuna a um abismo, por ele
cavado, para que ninguém mais a pudesse descobrir e gozar, foi por si mesmo
procurar naquele precipício uma morte desastrosa e terrível!
O mais... só Deus o sabe!...
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Nota:
Sebastião de Magalhães Lima: " Miniaturas Românticas" (1871)
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