O ANEL DO
DIPLOMATA
— Parecia
que vendia saúde... tão forte que era!...
— É verdade!
quem o havia de dizer!
— Era uma
criança ainda, pouco mais tinha de setenta anos, disse outro que, pela figura e
pelo andar trôpego e vacilante, denotava ter os seus oitenta, bem puxados.
— E olhe que
era um bom homem! Você não viu como a filha chorava quando o pusemos em cima da
cama? Cortava o coração, coitadita!
— E
honradinho! Eu sei cá! Poucos se topam por aí com tão bons sentimentos e com
cara tão limpa...
— Lá
isso!...
— Não, que
quem saí aos seus não degenera!
— Era muito
amigo da pobreza! tartamudeou uma velha.
— Ó Cristo!
era o pai da pobreza, é o que vossemecê deve dizer, tia Joaquina.
— E depois
olhe que era o melhor letrado destas oito léguas em redondo.
— Aquilo era
um selvagem...
Assim
falavam alguns indivíduos pertencentes a diversas categorias da pequena
sociedade da vila de X…., descendo as escadas da casa do advogado Vasconcelos
que caíra mortalmente fulminado por uma congestão cerebral, no momento em que
defendia calorosamente um individuo que numa alucinação brutal de ciúme
assassinara a mulher e dois filhitos.
****
O advogado
Vasconcelos morrera pobre, sorte de todos os causídicos de província, que
logram vencer, quando muito, por mês, o que qualquer dos colegas de Lisboa e
Porto dá aos seus agaloados trintenários.
Filho
segundo de uma casa de bom nome na província do Minho, cursava cânones e leis
na Universidade, no ano de 1828, emigrando nesse mesmo ano, e vindo terminar o
curso mais tarde, depois de ter defendido a causa da liberdade, de parceria com
outros condiscípulos, que tão assinaladamente se distinguiram depois na
política, nas armas e nas letras.
Depois de
formado, recolheu-se à sua vila natal, e não podendo contar com a mesada que o
seu irmão lhe arbitrara, visto que os rendimentos da casa mal chegavam para a
alimentação e sustento do primogênito, abriu banca de
advogado,
dependurando de um dos lados da estante de pinho, encimada pela pasta verde e
encarnada de quintanista, a lata com os seus pergaminhos de bacharel in utroque, e de outro lado a farda
impregnada da pólvora de vinte combates e varada pelas balas dos servidores del-rei
nosso senhor, no cerco do Porto.
A formosa
irlandesa que o acompanhara no exilio, e que lhe foi denodada companheira nas
ásperas provações da vida, morreu-lhe pouco tempo depois, deixando-lhe dois
filhos, um rapaz e uma menina.
Tanto um
como outro eram educados com solicitude e esmero, que para a educação dos dois
não se forrava aquele pai amantíssimo nem a despesas nem a trabalhos.
O rapaz foi
para Coimbra, e a menina para o convento das Salésias em Lisboa, de onde
recolheu quando o irmão entrava para o primeiro ano jurídico.
— E preciso
estudar, António, olha que se eu não tivesse aquelas cartas, tinha de andar a
cavar nas hortas do meu irmão, ou de esmolar nas escadas ignóbeis das
secretarias um lugar de porteiro ou de amanuense, e isto ainda assim,
apresentando como documento dos meus serviços aquela farda.
Não eram
necessários estes conselhos. António de Vasconcelos foi sempre um sisudo rapaz,
estudioso, o que não quer dizer que aquela mocidade fosse bisonha e avessa ás
ridentes alegrias dos vinte anos.
Pobre da
árvore que ao sorrir da primavera se não estreleja de flores, e em cujos ramos
folhudos e a reverem seiva não cantam as toutinegras e não assobiam os melros!
****
Recolhia-se
à sua casa, em Coimbra, o rapaz estudante, alegre e contente de si por ter
correspondido bizarramente, numa sabatina, ao alto conceito em que o curso o
tinha, quando lhe entregaram uma parte telegráfica.
Rasgou
alvoroçadamente o sobrescrito, leu e empalideceu horrivelmente.
— Meu
querido pai! murmurou, e curvado sobre a sua mesa de estudo deixou cair a
cabeça nos punhos fechados. Pobre pai! pobre pai! que me não chegou a ver
bacharel!
Na manhã do
dia seguinte entrava por casa dentro, ao passo que descia as escadas o caixão
em que vinha metido o pai.
Quiseram-no
afastar, esconder-lhe aquele espetáculo lutuoso, mas ele resistiu, e abraçado
ao cadáver do pai chorava como choram os que de repente sentem que o braço
amorável que os guiava nesta vida enfraquece e esfria para sempre, deixando-os
na mais desconsolada e álgida das solidões.
Amparado nos
braços de um amigo da infância, entrou no aposento em que a irmã pálida e
desfeita expedia gritos clamorosos e histéricos.
— Sozinha,
repetia a misera, sozinha!
— E eu,
minha querida Francisca? Não te lembraste do teu irmão? disse o rapaz engolindo
as lagrimas, e fazendo-se forte para dar coragem à desgraçada menina.
Assim no
alto mar quando o temporal arrepia e enovela as ondas, e o velame bate nos
mastros com o ruído molhado das azas de uma ave que se afoga, e a marinhagem
assustada grita e pragueja perante a morte próxima e inevitável, o capitão que
tem filhos e esposa, longe numa pequena aldeia à beira-mar, dá ordens com voz
tranquila, e comanda a manobra com a serenidade de quem vê perto as águas
quietas e espelhadas do ancoradouro.
****
Volvidos
alguns dias, desceu o estudante ao escritório. Examinou as gavetas e os móveis,
a ver se o pai tinha feito as suas últimas disposições. Não encontrou senão
minutas, autos, libelos em princípio, considerações jurídicas.
— Parece-me
que o estou vendo! A última vez que o vi, estava aqui sentado e perguntou-me a
rir se eu sabia o que era um libelo!—disse o rapaz para a irmã, que o
acompanhava. — Respondi-lhe, e ele disse:
— Cáspite! Pois olha, que quando deixei
Coimbra não o sabia. A minha universidade foi esta banca. Aqui é que se
aprende, deixa lá! E depois tu verás!
Mal sabia
ele que eu nunca havia de ver isso...
— E porquê,
António?
— Porquê? porque
estamos pobríssimos. O pai morreu honrado, mas sem recursos. O que nos resta,
filha, são umas cinquenta moedas, que a nossa velha Joana juntou com as
soldadas ganhas no serviço da casa dos nossos avós, e nesta... casa que é hoje
dela, porque é ela que nos tem sustentado desde que nos faltou o nosso querido
amigo...
Bateram
neste momento à porta do escritório, António de Vasconcelos foi abrir. Apareceu
no limiar da porta um lavrador que disse, desbarretando-se:
— Queria dar
uma palavra ao Sr. doutor.. .
— O meu pai
faleceu esta semana...
— O quê! E
eu que o vi ainda há dias tão forte e rijo! Em nome do Padre e do Filho... É o
que nós somos neste mundo. .. Que Deus o tenha na sua glória, que era um homem
ás direitas... Então queira perdoar.
E saiu enquanto
os dois com os olhares atados um no outro, perguntavam naquela muda linguagem,
o que seria deles desamparados e sós naquele temporal, que tão a súbitas lhes
escurecera o azul sereno da vida.
****
Alguns
amigos do advogado e um pároco daquelas circunvizinhanças, reunidos num sagrado
pensamento, ajustaram entre si dar uma mensalidade a António de Vasconcelos,
que a rogos da irmã aceitou aqueles adiantamentos como uma divida que
satisfaria mais tarde.
Temos o
nosso estudante formado e pronto. Logo que se viu senhor dos títulos alcançados
pelo seu estudo e aplicação, foi à vila natal agradecer aos que o tinham tão
evangelicamente amparado, e, por conselhos de um condiscípulo, dirigiu-se a
Lisboa, onde fixou residência, e entrou a frequentar o escritório de um dos
advogados de mais renome no foro da capital.
Ir para a
província trabalhar como um mouro, estudar como um beneditino; para quê? O
resultado conhecera-o ele, que o exemplo lhe fora mais que manifesto na própria
família. Em Lisboa encontraria campo mais dilatado onde desafogar as suas altas
aspirações.
O pior seria
o primeiro ano e ainda o segundo, mas depois acudiriam os clientes, e o seu
nome adquiriria a gloriosa reputação com que outros de menos talento se
ufanavam.
— Ao
princípio, Francisca, dizia o rapaz doutor, não correrá tudo à medida dos
nossos desejos, mas tu hás de ter muita coragem, não é assim? Quando eu entrar
em casa, e vir um sorriso na tua boca, verás como me lanço ao trabalho com
vontade e com intrepidez...
Pobre
criança!
****
Naquela
época chegara a Lisboa um indivíduo que fora o mais perdulário dos leões da
Lisboa de há trinta anos, e que presentemente ocupava um elevado lugar
diplomático numa corte estrangeira.
Contavam-se
deste homem excentricidades que fariam morrer de inveja o mais fastiento e
esplenético dos lords. Batera-se
vinte vezes e por motivos diversos, por questões de jogo, por questões de
mulheres, e por questões de política.
Espirituoso,
valente e rico, passou pelo mais bem acabado produto do seu tempo e do seu
meio.
Agora velho
mas sempre original e taful, era
estimado por todos, querido nas salas, temido ainda na imprensa e respeitado
pelos políticos a quem asseteava com o acre azedume de quem já mourejou nos
bastidores da política, e lhes conhece bem os fumosos mistérios.
Estava
António de Vasconcelos no Chiado, conversando com um condiscípulo, quando o
diplomata se apeou de um trem, e se deteve a conversar alguns instantes com
umas senhoras que iam passando.
— Sabes quem
é aquele sujeito? perguntou-lhe o condiscípulo.
— Não.
— É Jorge de
Alvim. O velho mais rapaz que passeia nesta cidade sorumbática e sorna...
— Esse nome
não me é estranho. Foi condiscípulo do meu pai que o estimava e tinha em grande
conta, e até se me não engano, queimei uma larga correspondência travada entre
aquele homem e o meu pai. A ele pessoalmente não conhecia, mas é simpático.
—E homem de
grande influência política.
Neste
momento o cavalheiro F. e o ministro L. que passavam, acercaram-se do diplomata
e demoraram-se com ele em palestra em que pareciam enlevados.
— Repara tu
como eles o tratam! concluiu o condiscípulo de Vasconcelos ao dar-lhe o aperto
de mão de despedida.
****
— Sempre me
decido, Francisca.
— Pois vai,
António, vai que não desonra pedir trabalho e proteção...
—
Receber-me-á ele bem?
— Quem te
não há de receber bem, tolo? vai que eu fico a pedir a Deus por ti!
António de
Vasconcelos foi e falou com o velho amigo do seu pai, Jorge Alvim. Contou lhe
toda a sua vida trabalhosa, as lutas obscuras, as misérias que afrontara,
descreveu-lhe a nua e triste água-furtada em que viviam, ele e a irmã, as
longas e plúmbeas noites mal dormidas, a costura mal remunerada, a dureza dos
senhorios.
E no
gabinete cheio de conforto e de luxo aquelas palavras tristes, desesperadas e
expirantes soavam lugubremente como um grito de agonia nas alegrias de um
noivado...
— V. exa não
sabia de uma coisa que lhe vou agora dizer. O seu pai salvou-me da morte uma
vez no cerco do Porto, eu salvá-lo-ei custe o que custar das... garras da...
— Miséria,
disse o rapaz com o rosto ligeiramente carminado.
— Pois seja
assim) Começaremos a combater o monstro hoje mesmo. Para isso é preciso que V.
Exa. envergue as armas próprias para combates (Testa ordem. Em vez do arnês, do
broquel, das caneleiras e do elmo, aconselho-lhe que se vista com elegância
igual à sua gentileza, porque vai combater a fera no salão da mais elegante
senhora de Lisboa, e perante a presença das nossas mais acentuadas celebridades
políticas e literárias. Até logo, não é assim? disse o velho estendendo com uma
graça adorável a mão a António de Vasconcelos que desceu as escadas enceradas
com o coração cheio de sol e de alegria.
****
— Não
estejas triste, a casaca fica-te bem, não está muito nova, mas ninguém repara.
Põe este botão de rosa na casa. E bonito. Aves mesmo um taful — dizia a irmã de António de Vasconcelos recuando e
examinando amoravelmente o rapaz.
Depois, com
um gesto impregnado de um misto singular de proteção e de doce autoridade,
continuou:
— Proíbo-te
que estejas com essa cara desconsolada. Digo-te eu que és o mais bonito que lá
aparece. Depois mo contarás.
E
conversando e rindo num abandono divino e infantil, aqueles dois camaradas na
adversidade, edificavam castelos de ventura, esquecidos de que o padeiro
naquele dia recusara fiar-lhes mais pão. Oh mocidade!
****
Jorge de
Alvim naquele dia parecia exceder-se a si próprio, tão brilhantes eram as suas
respostas, tão finas as suas ironias, tão cheias de sal as anedotas com que
encantava os conselheiros, ministros e jornalistas que estavam à mesa da
elegante condessa de X….
Falou-se em
diamantes. Jorge de Alvim desde logo entrou a historiar casos e anedotas a tal
respeito. Narrou as aventuras de diamantes que se tornaram celebres pelas
peregrinações cm que andaram, e assim precisou com uma erudição graciosa a
história do Saney, diamante que foi de Carlos o Temerário, e que das mãos deste
passou para as de um Duque de Florença e depois para
o poder do
Prior do Crato, que o empenhou ao intendente das finanças em França, Harley de
Sancy, de onde lhe proveio o nome.
— Ainda aqui
não pára, minhas senhoras, a odisséia desta pedra. Harley de Sancy quando
Henrique IV de França antes de ser reconhecido se achou em grandes apuros de
dinheiro, mandou vender esse diamante aos judeus de Metz. O homem encarregado
de tão preciosa missão, caindo nas mãos de uma quadrilha de bandidos, e
receando que lhe roubassem o tesouro que levava, engolira a pedra...
— Ora essa!
disse a dona da casa.
— Verdade
pura, minha senhora. O cadáver foi descoberto passados tempos no bosque de
Dôls, e aberto o ventre, acharam o diamante que foi vendido a Jacques I de
Inglaterra, de cujo poder passou para o de Luiz XIV.
— E depois?
disse uma das senhoras. Não pode parar aí esse longo peregrinar de que V. Exa.
está sendo um Fernão Mendes.. .
— Minto..
pois seja assim. O que posso afiançar a V. Exa. é que esta pedra, depois de
várias e encontradas vicissitudes acabou por onde acabou a esposa de Menelau...
Foi roubada, e hoje pára nas mãos dos Russos.
— Justamente
o que mais dia, menos dia sucederá ao seu magnífico anel, Sr. Jorge de Alvim,
disse a mesma interruptora, dardejando um olhar guloso e felino à pedra do
anel...
— E é
verdade que é lindíssimo e de apetite o seu anel; deixa-mo ver, Sr. Alvim?
disse uma das senhoras que estava ao lado de António de Vasconcelos.
O anel foi
passando de mão em mão crivado de admirações e de quentes cobiças...
A
conversação tomara outro rumo; era o momento dos toasts, e então Alvim explicou uma usança que lá fora estava agora
muito em moda nos jantares da alta vida, a taça da amizade.
Ia a
descrever este costume elegante quando a senhora que estava à esquerda de
Vasconcelos soltou um grito.
— Ah!
— Que foi? O
que foi? repetiram em roda.
— Tinha aqui
o anel e desapareceu-me!
Levantaram-se
pratos, arredaram-se cadeiras, houve várias conjeturas.
— Estaria
aqui? talvez estivesse ali...
E sempre
debalde.
Ergueram-se
todos, sem cerimônia turbulentamente, como da mesa de um hotel...
O anel não
aparecia.
Um dos
convivas, celebre no foro, começou a examinar o rosto de cada criado, como quem
tenta descobrir o autor de um crime.
— Uma joia
tão rica!
— Não está
ali por menos de duzentas libras, afirmou um banqueiro.
— Ora, pelo
amor de Deus, meus senhores, disse o velho casquilho. O meu anel que julgo não
tem ainda por agora aventuras, ouvindo as minhas narrativas de há pouco
encheu-se de preceitos, e quis provar aos incrédulos que também lhe estão
reservados altos destinos... Vou propor a V. Exa. uma coisa que lhes parecerá
excêntrica, mas que me relevarão, já que em Lisboa passo por um ser singular e
extraordinário. Aí vai a singular excentricidade que me passou pela cabeça: ao
sair desta sala hão de todos deixar-se revistar pelos donos da casa. Rejeitam
ou aprovam?
Ouvindo
aquela proposta esquisita e quase que ofensiva, alguns sorriram, indignaram se
outros, franzindo os sobrolhos, e um pesado silêncio constrangido caiu naquela
sala há pouco tão sonora de vozes, de risos e do fino tilintar da prata e dos
cristais.
— Peço
perdão, mas oponho-me e rejeito essa proposta!
Quem assim
falava era António de Vasconcelos. Estava pálido como a morte, tentava sorrir,
mas os dentes cerravam-se-lhe nervosamente, e os cabelos empastavam-se-lhe na
testa gotejando suor.
— Seria ele?
disse a dona da casa baixo, e fitando-o tristemente.
E toda a
gente que o ouvira como que por instinto afastou-se do pobre rapaz.
Podia ser,
que fosse ele. Era pobre, pois não viam isso claramente?
Os olhos de
todas as mulheres que ali estavam começaram então desapiedadamente a analisa-lo
por miúdo, e passavam-lhe em revista a casaca coçada, a pouca finura da camisa,
a gravata branca ligeiramente encardida, as joelheiras luzidias das calças
pretas.
— E não é
feio rapaz!
— Pois sim,
mas Lacenaire também não era feio, disse outra menos caridosa e mais letrada.
António de
Vasconcelos aproximou-se de Jorge de Alvim, e baixo com voz concentrada
disse-lhe:
— Uma
palavra, Sr. Alvim, desejo dar-lhe uma palavra...
— É melhor
mais tarde... depois... replicou desdenhosamente Jorge de Alvim.
Repararam
todos na insistência de António de Vasconcelos, e as suspeitas mais e mais se
enraizaram no espírito dos convivas.
O pobre
rapaz, que conhecia a falsa posição em que se colocara com a sua frase,
sentia-se humilhado e como que vendido naquele meio.
Os próprios
criados olhavam-no com manifesto desprezo.
Vasconcelos
disse ainda ao diplomata:
— Sr. Jorge
de Alvim, pela ultima vez, quer ouvir-me?
— Homem, já
sei; é pobre, teve uma fascinação, já li isso não sei aonde... Ah! já sei...
num conto de Balzac.. .
E voltou-lhe
as costas.
Nesse
instante uma voz entaramelada e rouca ecoou na sala:
— Peço que
me escutem! como sou o único pobre que aqui está, e como todas as
circunstâncias são no meu desfavor, podem julgar que fui eu que roubei esse
anel. Se não consenti na proposta feita pelo Sr. Jorge de Alvim,,— e na palidez
do seu rosto destacavam-se duas rosas de pejo,—foi porque, se me revistassem,
encontravam-me no bolso isto que eu furtei para levar à minha irmã que não come
desde ontem... disse o mancebo tirando da algibeira um pão.
****
Houve um
grande e profundo silêncio angustioso. A condessa foi a primeira a rompe-lo
adiantando se para Vasconcelos.
— Pobre
rapaz!...
E com o
movimento que fez, um objeto brilhante faiscou nas franjas do seu vestido.
— Permita-me
V. Exa., condessa, disse o banqueiro abaixando-se e desprendendo das franjas o
objeto que reluzia e chispava: aqui está o anel.
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António de
Vasconcelos ocupa hoje com geral aplauso e com grandes créditos o lugar de
secretário, na embaixada de que é ministro seu amigo e cunhado Jorge de Alvim.
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Nota:
Maria Amália Vaz de Carvalho: "Contos e Fantasias" (1880)
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