REMEMBER
(Poemetos em prosa)
A Paulino de Brito
I
Não tens então no peito a mínima
raiva contra mim?—perguntei-lhe admirado, fitando-a todo comovido pelo prazer
das recentes pazes.
—Não! confirmou a rir, sacudindo
a loira cabecinha tentadora, onde os loucos anéis dos seus cabelos tremulavam
faceiros, numa opulência, numa prodigalidade de adoráveis eflúvios fascinadores.
E toda a sua pequenina pessoa, delicada e meiga, parecia desabrochar as florescências
gentis das suas graças, dos seus divinos dotes triunfantes em meio á pujança da
invejável mocidade!
—Pois bendita sejas tu, cândida e
pura, amada e amante virgem, que tanta bondade tens na alma, quantas são as
seduções capitosas do teu belo rostinho, coroado desses loiros cabelos, cujos anéis,
loucos e faceiros, tremulam opulentos, em adorável prodigalidade de
fascinadores eflúvios!—retorqui arrebatado em grande entusiasmo, atraindo-a
castamente para mim, num impulso de gratidão, ainda todo comovido pelo prazer
das recentes pazes.
E assim ficou justificado e
perdoado o meu primeiro atrevimento, que manifestara-se no roubo dum beijo,—
dum pequenino beijo fugitivo,—aquela bendita virgem, cândida e pura, cujo
delicado corpo como que desabrochava as divinas graças triunfais em gentis florescências
de invejável juventude pujante!
As rosas pareceram agitar-se nos
verdes ramos, espreitar maliciosas esse entusiasmo da minha amante virilidade
em face das seduções capitosas de tão belo rostinho!..
II
Mas anoitecera de todo. A latada
que nos abrigava com os seus floridos jasmineiros rescendentes maior escuridão
comunicava á parte do jardim onde havíamos feito pazes, após o intemerato roubo
de um beijo colhido nos rubros lábios mádidos da minha pequenina amante
fascinadora.
Um silencio embaraçador enleava-nos
em tíbia indecisão. A loira cabecinha dela descansava indolente no meu ombro,
com os lindos anéis undiflavando-se-lhe tranquilos, concentrados, ao longo das
corretíssimas espáduas.
E uma tentação chegou-me a
súbitas, sob a latada que abrigava-nos com seus recendentes jasmineiros floridos,
entre o silencio enleando-nos embaraçadoramente em tíbia indecisão.
Já tinha-se curvado a minha
fronte para a loira cabecinha a descansar-me no ombro, indolente e concentrada,
e um desejo de intemerata relapsia assaltava-me poderoso, induzindo-me a colher
novo beijo,—um fugitivo beijo pequenino e casto,—nos úmidos lábios da minha
gentil e tentadora amante.
Ela, porém, de salto ergueu-se,
vibrante e nervosa, rápida e precavida. Uma das mãos subiu-lhe célere á altura
da cabeça, ameaçadoramente. Bateu o pesinho, numa expansão de enfado
incipiente....
—Se reincidir, não perdôo mais!—exclamou,
avisando-me, com a voz ainda repassada de toda a indolente volúpia de pouco
antes e fugiu-me das mãos estendidas nervosamente, mais rápida que esses doces
momentos de gozo que me concedeu, enquanto descansava a fronte no meu ombro,
com os formosos anéis da adorável cabecinha louca undiflavando-se-lhe tranquilos
pelas corretíssimas espáduas.
Deixei-me ficar, triste e
concentrado, sob a perfumosa latada, em meio á escuridão, recordando o prazer
das jubilosas pazes feitas após o roubo de um beijo,—do primeiro beijo,
pequenino e casto,—aos ardentes lábios mádidos da minha bendita virgem.
E as rosas pareceram agitar-se
nas verdes ramas invisíveis quase, num recolhimento compadecido, lamentando a
inutilidade da minha juventude em face do capricho daquela pequenina cabeça
loira, de triunfantes graças capitosas, que só admitira e perdoara o meu
primeiro atrevimento... ainda tão inocente e retraído!...
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Nota:
João Marques de Carvalho: "Contos Paraenses" (1889)
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