domingo, 15 de setembro de 2013

João Marques de Carvalho: "Ao Sol"

AO SOL
(Poemetos em prosa)
A Fernando A. da Silva

Ó tu, que rolas por cima de nossas cabeças, resplandecente como o escudo de nossos pais; donde saem os teus raios, ó sol? Donde vem a tua luz? Caminhas em tua majestosa formosura. Vendo-te, escondem-se as estrelas no firmamento; pálida e fria, a lua afoga-se nas ondas do ocidente. Ficas sozinho, ó sol: quem poderia acompanhar-te o curso?

Caem os carvalhos das montanhas; as próprias montanhas são minadas pelos anos; o oceano eleva-se e abaixa-se alternadamente; a lua eclipsa-se no fundo dos céus; só tu és sempre o mesmo.

Alegras-te sem cessar em tua brilhante carreira. Quando o mundo está sombrio pelas tempestades, quando o trovão ribomba e voa o raio, sais radiante do meio das nuvens e ris do furacão!

Mas, ai! em vão brilhas para mim! O velho bardo já te não vê os raios, quer fulja a tua doirada cabeleira entre as nuvens do oriente, quer trema ás portas do poente a tua luz bruxuleante.

Mas talvez, como eu, só possuas uma estação e teus anos terão um termo: virá talvez um dia em que empalideças no meio da carreira e a aurora próxima em vão esperará o teu regresso.

Regozija-te, portanto, ó sol, na força da tua juventude! A velhice é triste e aborrecida: parece-se com as tíbias claridades da lua, as quais perdem-se entre nuvens dilaceradas pelo vento norte, quando este semeia ao longe as estevas murchas, quando o úmido nevoeiro envolve a colina e o viajante transido tirita nos caminhos desertos....

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Nota:
João Marques de Carvalho: "Contos Paraenses" (1889)

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