PARÁFRASE OCEÂNICA
A Frederico Rhossard
Ó bela, ó sedutora Malvina, sai
do teu refúgio noturno, desce do rochedo sinistro onde o vento-norte ruge em
torno de ti. Acerca-te de mim.
Inflamados sulcos os fantasmas
dos mortos traçam sobre as nossas torrentes. Ouço-os passar no meio dos
turbilhões e suas vozes fanhosas são os únicos sons a perturbar o majestoso sossego
das trevas.
Ó tu, cuja mão branca e delicada
desferia melancólicos gemidos nas harpas de Luta, tenta ainda consolar-me com
teus hinos poéticos e dolentes. Desperta essas cordas adormecidas, canta, ó
Malvina, e reaviva o meu gênio, cuja chama foi sopitada pelos anos implacáveis.
Vem a mim, ó Malvina gentil, na
obscuridade desta longa noite que entristece-me. Porque privaste-me da meiguice
de teus cantos! Quando o regato cai na colina e rola, depois do furacão, sob a
luz radiante do sol, o caçador escuta-lhe com prazer os suaves murmúrios,
sacudindo a úmida cabeleira.
Assim a tua sonorosa voz,
Malvina, encanta o amigo dos finados heróis. Infla-se meu peito; o meu coração
palpita. Delineia-se a meus olhos o passado. Vem, ó Malvina, não divagues mais
no meio das tênebras!
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Nota:
João Marques de Carvalho: "Contos Paraenses" (1889)
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