domingo, 15 de setembro de 2013

João Marques de Carvalho: "Bidinha"

BIDINHA
(Poemetos em prosa)
A Mucio Javrot

Aqueles versos ternissímos, duma inspiração ideal e faceira, haviam-lhe feito compreender que o poeta amava-a. Sem o sentir bem, ela começou a amá-lo, a amá-lo também.... Quando, por acaso, encontrava-o em casa da prima, corava, julgava sofrer e gozar a um tempo e entrava a fitá-lo amorável e longamente, com essa persistência abstrata dos verdadeiros êxtases apaixonados....

O poeta conheceu não ser indiferente aquela moça tão pálida, tão triste, cujo olhar tinha os fluidos voluptuosos das paixões ardentíssimas...

E, não sei bem porque, fugiu-lhe: passou um mês sem ir á casa da prima da Bidinha, para não vê-la. Depois, de si próprio envergonhado, lá foi e encontrou-a, mais pálida ainda.... e com os olhos,—aqueles tentadores, faiscantes olhos eloquentes,—mais, muito mais bonitos... Teve pena dela: num momento em que ficaram sós na sala,—onde recendia o perfume dum ramo de reseda posto num jarro em frente ao retrato duma velha senhora de fronte enrugada e olhar suave—declarou-lhe amá-la desde muito, intensamente.

Ela, a Bidinha, a pálida dona do álbum que recebera aqueles terníssimos versos, duma inspiração ideal e faceira, sorriu, estremeceu e murmurou apenas quase ininteligível som.

Daí em diante, a felicidade uniu-os sempre em amorosos colóquios noturnos, em aquela mesma sala.

***
Tempos depois, teve o poeta de fazer uma viagem. Os protestos de mutua fidelidade foram longos, como longa deveria ser a ausência. Dando-lhe o aperto de mão de despedida, quase desfalece a Bidinha, tal foi a angustia que atravessou-lhe o coração!

***

Por um artifício da sorte, o poeta esqueceu-se da encantadora criança a quem jurara amor perante o retrato da velha senhora de fronte enrugada, enquanto recendia na sala o perfume dum ramo de reseda.

Ela esperou-o durante meses, durante anos.... Oh! lancinante dor das longas espectativas!... Espera-o ainda....

Á tarde, quem for ao pequenino quintal da casa dela, poderá vê-la sentada sob um grande jasmineiro estendido ao longo de vasta latada,—com o olhar suave e tristemente fito nas paginas dum álbum, soluçando baixinho palavras de saudosa recriminação.

Aqueles versos terníssimos, duma inspiração ideal e faceira, haviam-lhe feito compreender que o poeta amava-a!...

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Nota:
João Marques de Carvalho: "Contos Paraenses" (1889)

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