BIDINHA
(Poemetos em prosa)
A Mucio Javrot
Aqueles versos ternissímos, duma
inspiração ideal e faceira, haviam-lhe feito compreender que o poeta amava-a.
Sem o sentir bem, ela começou a amá-lo, a amá-lo também.... Quando, por acaso,
encontrava-o em casa da prima, corava, julgava sofrer e gozar a um tempo e
entrava a fitá-lo amorável e longamente, com essa persistência abstrata dos
verdadeiros êxtases apaixonados....
O poeta conheceu não ser indiferente
aquela moça tão pálida, tão triste, cujo olhar tinha os fluidos voluptuosos das
paixões ardentíssimas...
E, não sei bem porque, fugiu-lhe:
passou um mês sem ir á casa da prima da Bidinha, para não vê-la. Depois, de si próprio
envergonhado, lá foi e encontrou-a, mais pálida ainda.... e com os olhos,—aqueles
tentadores, faiscantes olhos eloquentes,—mais, muito mais bonitos... Teve pena dela:
num momento em que ficaram sós na sala,—onde recendia o perfume dum ramo de
reseda posto num jarro em frente ao retrato duma velha senhora de fronte
enrugada e olhar suave—declarou-lhe amá-la desde muito, intensamente.
Ela, a Bidinha, a pálida dona do
álbum que recebera aqueles terníssimos versos, duma inspiração ideal e faceira,
sorriu, estremeceu e murmurou apenas quase ininteligível som.
Daí em diante, a felicidade
uniu-os sempre em amorosos colóquios noturnos, em aquela mesma sala.
***
Tempos depois, teve o poeta de
fazer uma viagem. Os protestos de mutua fidelidade foram longos, como longa
deveria ser a ausência. Dando-lhe o aperto de mão de despedida, quase desfalece
a Bidinha, tal foi a angustia que atravessou-lhe o coração!
***
Por um artifício da sorte, o
poeta esqueceu-se da encantadora criança a quem jurara amor perante o retrato
da velha senhora de fronte enrugada, enquanto recendia na sala o perfume dum
ramo de reseda.
Ela esperou-o durante meses,
durante anos.... Oh! lancinante dor das longas espectativas!... Espera-o ainda....
Á tarde, quem for ao pequenino
quintal da casa dela, poderá vê-la sentada sob um grande jasmineiro estendido
ao longo de vasta latada,—com o olhar suave e tristemente fito nas paginas dum álbum,
soluçando baixinho palavras de saudosa recriminação.
Aqueles versos terníssimos, duma
inspiração ideal e faceira, haviam-lhe feito compreender que o poeta
amava-a!...
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Nota:
João Marques de Carvalho: "Contos Paraenses" (1889)
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