PROSCRITO
Era forçoso partir.
Era um decreto dos fados;
talvez um decreto de Deus!
Mais poderoso que o amor de
um povo, mais do que o raio que de improviso cai sobre a eminência de um templo
sagrado derrubando-a, força irresistível o impelia.
E o velho obedeceu; partiu.
Lá fora, em pleno oceano, a
fronte pendida, a barba alvíssima e crespa como a espuma dos mares a beijar-lhe
o peito em que gemia o coração que levava um nome escrito entre saudades, o
velho chorava.
Entretanto ele sentia
inocência na alma cheia de amargores, e no peito o coração repleto de amor; — o
coração que levava gravado um nome...
O doce nome da Pátria!
E, lá, na vastidão
intérmina do oceano, entre o Infinito azul e o Infinito Glauco, o proscrito fez
vibrar as cordas a harpa gemedora de sua alma de poeta; e as aves carinhosas
que atravessavam o espaço, levavam os acordes daquele adeus magoado, e a
viração marinha suspirando nas enxárcias, repercutia, daquela dor, os gemidos a
se perderem pela soledade ilimitada dos mares.
Descera a noite estendendo
desde a altura o negro véu recamado de estrelas que se ampliava sobre as ondas
em renda de alvas espumas com semeados de ardentia luminosa.
Enquanto a viração marinha
ciciava endeixas de saudade pelas enxárcias da nau balançada em ondulações de
luz, o proscrito adormecera e sonhava.
Era uma visão formosíssima!
— Um índio belo, colossal,
vestido de brilhante enduápe trazendo sobre a cabeça o vistoso kanitar dos
reis da selva que lhe deixava a descoberto a fronte morena, altiva, cingidos os
musculosos braços e os tornozelos com ornatos de áurea plumagem, adornado o
colo hercúleo de um colar de alvo marfim, entremeado de pedras brilhantes,
sobraçando possante arco, e tendo na destra uma flecha de cuja extremidade
pontiaguda pendia, traspassado, um coração sangrento, — joelho em terra, o
índio ideal apresentava ao velho sonhador aquele emblema de afetos gotejando
sangue, e tristemente murmurava: Pátria! Pátria!
E o proscrito acordava
suspirando, em lágrimas, um nome... O doce nome da terra amada!
Mas, quem era esse coração
majestoso, terno como David o rei poeta, e tão venerável como em profeta
hebreu?
Era um monarca destronado.
Era um soberano a quem o
seu povo, outrora, chamara pai!
Um dia, o Céu de formosa
terra longínqua, Céu de azul puríssimo, em que a noite brilhava esplendorosa
cruz formada de estrelas cintilantes, — escurecera. Um sopro gelado, vindo de
além-mar, vestira de luto os ares e as águas...
Vergara o jequitibá robusto
na floresta virgem e o sol empalidecera na amplidão turbada.
O mar rebentava lastimoso
regando as praias de suas lágrimas salinas.
As andorinhas que voltavam
não chilreavam de contentes, antes, parecia gemerem ao chegar aos tetos da
terra pátria.
E o vento espalhava no
espaço uma melodia triste...
Eram nênias de magoada
saudade...
Eram lamentos de um coração
dorido...
Era o extremo Adeus do
proscrito que adormecera— para sempre na terra do exílio!
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Nota:
Delminda Silveira: "Lises e Martírios" (1908)
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