O MATE DO JOÃO CARDOSO
Quando nos apeamos era a pino do
meio-dia... e são três horas, largas!... Cá pra mim esta gente esperou que as franguinhas se pusessem
galinhas e depois botassem, para depois apanharem os ovos e
só então bater
esta fritada encantada,
que vai nos
atrasar a troteada,
obra de duas
léguas... de beiço!...
Isto até faz-me lembrar um caso..
. Vancê nunca ouviu falar do João Cardoso?... Não?.. É pena.
O João Cardoso era um sujeito que
vivia por aqueles meios do Passo da Maria Gomes; bom velho, muito estimado, mas chalrador como
trinta e que dava um dente por dois dedos de prosa, e mui amigo de novidades.
Também... naquele tempo não havia
jornais, e o que se ouvia e se contava ia de boca em boca, de
ouvido para ouvido. Eu,
o primeiro jornal
que vi na minha
vida foi em Pelotas mesmo, aí por 1851.
Pois, como dizia: não passava
andante pela porta ou mais longe ou mais distante, que o velho João Cardoso não chamasse, risonho, e
renitente como mosca de ramada; e aí no mais já enxotava a cachorrada, e puxando o pito de detrás da
orelha, pigarreava e dizia:
Olá! Amigo! apeie-se; descanse
um pouco! Venha tomar um amargo! É um instantinho... crioulo?!…
O andante, agradecido à sorte,
aceitava… menos algum ressabiado, já se vê.
—
Então que há
de novo? (E
para dentro de
casa, com uma
voz de trovão,
ordenava:) Oh! crioulo! Traz mate!
E já se botava na conversa,
falava, indagava, pedia as novas, dava as que sabia; ria-se, metia opiniões,
aprovava umas cousas, ficava buzina com outras...
E o tempo ia passando. O andante
olhava para o cavalo, que já tinha refrescado; olhava para o sol que subia ou
descambava… e mexia o corpo para levantar-se.
Bueno! são horas, seu João
Cardoso; vou marchando!…
— Espere, homem! Só um
instantinho! Oh! crioulo, olha esse mate!
E
retomava a chalra.
Nisto o crioulo
já calejado e
sabido, chegava-se-lhe manhoso
e cochichava-lhe no ouvido:
— Sr., não tem mais erva!…
— Traz dessa mesma! Não demores,
crioulo!...
E o tempo ia correndo, como água
de sanga cheia.
Outra vez o andante se aprumava:
— Seu João Cardoso, vou-me
tocando… Passe bem!
— Espera, homem de Deus! É enquanto
a galinha lambe a orelha!… Oh! crioulo!… olha esse mate, diabo!
E outra vez o negro, no ouvido
dele:
— Mas, sr!… não tem mais erva!
— Traz dessa mesma, bandalho!
E
o carvão sumia-se
largando sobre o
paisano uma riscada
do branco dos
olhos, como encarnicando...
Por fim o andante não agüentava
mais e parava patrulha:
— Passe bem, seu João Cardoso!
Agora vou mesmo. Até a vista!
— Ora, patrício, espere! Oh
crioulo, olha o mate!
— Não! não mande vir, obrigado!
Pra volta!
Pois sim…, porém dói-me que
você se vá sem querer tomar um amargo neste rancho. É um instantinho... oh!
crioulo!
Porém o outro já dava de rédea,
resolvido à retirada.
E o velho João Cardoso
acompanhava-o até a beira da estrada e ainda teimava:
—
Quando passar, apeie-se!
O chimarrão, aqui,
nunca se corta,
está sempre pronto!
Boa viagem! Se quer esperar...
olhe que é um instantinho... Oh! crioulo!…
Mas o embuçalado já tocava a
trote largo.
Os mates do João Cardoso criaram
fama… A gente daquele tempo, até, quando queria dizer que uma cousa era tardia, demorada, maçante,
embrulhona, dizia — está como o mate do João Cardoso!
A verdade é que em muita casa e
por muitos motivos, ainda às vezes parece-me escutar o João Cardoso, velho de guerra, repetir ao seu
crioulo:
— Traz dessa mesma, diabo, que
aqui o sr. tem pressa!...
— Vancê já não tem topado disso?…
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Nota:
João Simões Lopes Neto: "Contos Gauchescos" (1912)
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Nota:
João Simões Lopes Neto: "Contos Gauchescos" (1912)
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