AMOR E SANGUE
Sua impressão: a rua é que
andava, não ele. Passou entre o verdureiro de grandes bigodes e a mulher de
cabelo despenteado.
— Vá roubar no inferno, Seu
Corrado!
Vá sofrer no inferno, Seu
Nicolino! Foi o que ele ouviu de si mesmo.
— Pronto! Fica por quatrocentão.
— Mas é tomate podre, Seu
Conrado!
Ia indo na manhã. A professora
pública estranhou aquele ar tão triste. As bananas na porta da QUITANDA TRIPOLI
ITALIANA eram de ouro por causa do sol. O Ford derrapou, maxixou, continuou
bamboleando. E as chaminés das fábricas apitavam
na Rua Brigadeiro Machado.
Não adiantava nada que o céu
estivesse azul porque a alma de Nicolino estava negra.
— Ei, Nicolino! NICOLINO!
— Que é?
— Você está ficando surdo, rapaz!
A Grazia passou agorinha mesmo.
— Des-gra-ça-da!
— Deixa de fita. Você joga amanhã
contra o Esmeralda?
— Não sei ainda.
— Não sabe? Deixa de fita, rapaz!
Você...
— Ciao.
— Veja lá, hein! Não vá tirar o
corpo na hora. Você é a garantia da defesa.
A desgraçada já havia passado.
Ao Barbeiro Submarino. Barba: 300
réis.
Cabelo: 600 Réis. Serviço
Garantido.
— Bom dia!
Nicolino Fior d'Amore nem deu
resposta. Foi entrando, tirando o paletó, enfiando outro branco, se sentando no
fundo a espera dos fregueses. Sem dar confiança. Também Seu Salvador nem ligou.
A navalha ia e vinha no couro esticado.
— São Paulo corre hoje! É o cem
contos!
O Temístocles da Prefeitura
entrou sem colarinho.
— Vamos ver essa barba muito bem
feita! Ai, ai! Calor pra burro. Você leu no Estado
o crime de Ontem, Salvador? Banditismo indecente.
— Mas parece que o moço tinha
razão de matar a moça.
— Qual tinha razão nada, seu!
Bandido! Drama de amor cousa nenhuma. E amanhã está solto. Privações de
sentidos. Júri indecente, meu Deus do Céu! Salvador, Salvador... — cuidado aí que tem uma
espinha — ... este país está perdido!
— Todos dizem.
Nicolino fingia que não estava
escutando. E assobiava a Scugnizza.
As fábricas apitavam.
Quando Grazia deu com ele na
calçada abaixou a cabeça e atravessou a rua.
— Espera aí, sua fingida.
— Não quero mais falar com você.
— Não faça mais assim pra mim,
Grazia. Deixa que eu vá com você. Estou ficando
louco, Grazia. Escuta. Olha, Grazia! Grazia! Se você não falar mais comigo eu me mato mesmo. Escuta. Fala alguma cousa
por favor.
— Me deixa! Pensa que eu sou
aquela fedida da Rua Cruz Branca?
— O quê?
— É isso mesmo.
E foi almoçar correndo.
Nicolino apertou o fura-bolos
entre os dentes.
As fábricas apitavam.
Grazia ria com a Rosa.
— Meu irmão foi e deu uma bruta
surra na cara dele.
— Bem feito! Você é uma danada,
Rosa. Xi!...
Nicolino deu um pulo monstro.
— Você não quer mesmo mais falar
comigo, sua desgraçada?
— Desista!
— Mas você me paga, sua
desgraçada!
— Nã-ã-o!
A punhalada derrubou-a.
— Pega! Pega! Pega!
— Eu matei ela porque estava
louco, Seu Delegado!
Todos os jornais registraram essa
frase que foi dita chorando.
Eu estava louco
Seu Delegado!
Matei por isso! (BIS)
Sou um desgraçado!
O estribilho do Assassino por
amor (Canção da atualidade para ser
cantada coma música do "FUBÁ",
letra de Spartaco Novais Panini) causou furor na zona.
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Nota:
Alcântara Machado: "Brás, Bexiga e Barra Funda" (1927)
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