domingo, 31 de março de 2013

Artur de Azevedo: "Puelina"


PUELINA


Por causa do Sr. Artur Leivas, desmanchou-se anteontem um casamento!

O caso, conto como o caso foi:

Na   Rua   de   Santo   Amaro   (o   número   da   casa   não   importa)   mora   a   família Castanheira,   composta   de   pai,   Sr.   João   Castanheira,   empregado   público;   da mãe, D. Fulgência Castanheira; e da filha, senhorita Paulina Castanheira, moça de dezoito anos, inteligente, bonita e prendada.

O   Pacheco,   o   Pachequinho   da   Alfândega,   durante   um   ano   inteiro   namorou Paulina, ele da rua, ela da sacada, mas ultimamente achou meios e modos de penetrar na praça, e poucos dias depois pedia solenemente a mão da moça, que lhe foi concedida.

Ficou assentado que o casamento se realizaria em março próximo, e até lá o Pachequinho visitaria a noiva todas as quintas-feiras e domingos, à noite.

Anteontem era quinta-feira. O noivo lá foi, e, ao entrar na sala, dirigiu-se à noiva e cumprimentou-a pela seguinte forma:

- Boa noite, puelina Paulina!

- Como? perguntou a moça.

- Puelina Paulina, repetiu ele.

- Puelina! exclamou o pai Castanheira. Que diabo vem a ser isso?

- Puelina, explicou, sorrindo, o Pachequinho, é o tratamento que Artur Leivas propõe, na Notícia de hoje, para substituir senhorita.

- Pois sim, mas eu não quero que minha filha seja puelina, disse, do seu canto, D. Fulgência.

- Nem eu!  acudiu a moça. Puelina!  Credo!  Não sei o que me parece!  Faça o favor de me chamar senhorita, como sempre me chamou!

- Sim, senhorita é preferível, opinou o velho.

-   Puelina   é   delicioso,   contrariou   o   Pachequinho.   A   palavra   parece   esquisita porque é nova, mas quando tiver algum uso, verão!  Olhe o que escreve Artur Leivas! Ele sabe latim como gente! Parece até Castro Lopes!.

E dirigindo-se à noiva:

- De hoje em diante, quer queira, quer não queira, há de ser tratada por puelina!

- Já lhe disse que não aceito esse tratamento!

- Perdão; quero, exijo que o aceite! Tenho a minha autoridade de noivo! Se não a fizer respeitar, serei um marido sem autoridade!

- Quer saber de uma coisa, Sr. Pacheco? disse o velho Castanheira. Não seja tolo!  Se é para fazer imposições dessa ordem que o senhor vai usar da sua autoridade, boa noite!

- O senhor chamou-me tolo!

- Chamei, sim senhor!.

- Pois tolo será ele!.

- O senhor insulta meu pai!

- O senhor insulta meu marido!

- Não insulto: retalio!

- Pois vá retaliar para o diabo que o carregue! Rua.

- Perdão, mas a puelina Paulina ainda não se pronunciou...

- Mas me pronuncio: está desmanchado o casamento!

- Hem?

- Desmanchado, ouviu? gritou o pai. Rua, já disse!.

O Pachequinho pegou no chapéu e saiu.

Um moleque da casa, que tinha ouvido tudo no corredor, chegou à porta e gritou:

- Puelino! Fiáu!.

* * *

E ora aqui está como, por causa do Sr. Artur Leivas, ontem se desmanchou um casamento!


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Nota:
Texto-fonte: Arthur Azevedo: Contos Diversos. Data não identificada

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