Por causa do Sr. Artur Leivas, desmanchou-se anteontem um
casamento!
O caso, conto como o caso foi:
Na Rua de
Santo Amaro (o
número da casa
não importa) mora
a família Castanheira, composta
de pai, Sr.
João Castanheira, empregado
público; da mãe, D. Fulgência
Castanheira; e da filha, senhorita Paulina Castanheira, moça de dezoito anos,
inteligente, bonita e prendada.
O Pacheco, o
Pachequinho da Alfândega,
durante um ano
inteiro namorou Paulina, ele da
rua, ela da sacada, mas ultimamente achou meios e modos de penetrar na praça, e
poucos dias depois pedia solenemente a mão da moça, que lhe foi concedida.
Ficou assentado que o casamento se realizaria em março próximo, e
até lá o Pachequinho visitaria a noiva todas as quintas-feiras e domingos, à
noite.
Anteontem era quinta-feira. O noivo lá foi, e, ao entrar na sala,
dirigiu-se à noiva e cumprimentou-a pela seguinte forma:
- Boa noite, puelina Paulina!
- Como? perguntou a moça.
- Puelina Paulina, repetiu ele.
- Puelina! exclamou o pai Castanheira. Que diabo vem a ser isso?
- Puelina, explicou, sorrindo, o Pachequinho, é o tratamento que
Artur Leivas propõe, na Notícia de hoje, para substituir senhorita.
- Pois sim, mas eu não quero que minha filha seja puelina, disse,
do seu canto, D. Fulgência.
- Nem eu! acudiu a moça. Puelina! Credo!
Não sei o que me parece! Faça o favor
de me chamar senhorita, como sempre me chamou!
- Sim, senhorita é preferível, opinou o velho.
- Puelina é
delicioso, contrariou o
Pachequinho. A palavra
parece esquisita porque é nova,
mas quando tiver algum uso, verão! Olhe
o que escreve Artur Leivas! Ele sabe latim como gente! Parece até Castro
Lopes!.
E dirigindo-se à noiva:
- De hoje em diante, quer queira, quer não queira, há de ser
tratada por puelina!
- Já lhe disse que não aceito esse tratamento!
- Perdão; quero, exijo que o aceite! Tenho a minha autoridade de
noivo! Se não a fizer respeitar, serei um marido sem autoridade!
- Quer saber de uma coisa, Sr. Pacheco? disse o velho Castanheira.
Não seja tolo! Se é para fazer
imposições dessa ordem que o senhor vai usar da sua autoridade, boa noite!
- O senhor chamou-me tolo!
- Chamei, sim senhor!.
- Pois tolo será ele!.
- O senhor insulta meu pai!
- O senhor insulta meu marido!
- Não insulto: retalio!
- Pois vá retaliar para o diabo que o carregue! Rua.
- Perdão, mas a puelina Paulina ainda não se pronunciou...
- Mas me pronuncio: está desmanchado o casamento!
- Hem?
- Desmanchado, ouviu? gritou o pai. Rua, já disse!.
O Pachequinho pegou no chapéu e saiu.
Um moleque da casa, que tinha ouvido tudo no corredor, chegou à
porta e gritou:
- Puelino! Fiáu!.
* * *
E ora aqui está como, por causa do Sr. Artur Leivas, ontem se
desmanchou um casamento!
Nota:
Texto-fonte: Arthur Azevedo: Contos Diversos. Data não identificada
Texto-fonte: Arthur Azevedo: Contos Diversos. Data não identificada
Nenhum comentário:
Postar um comentário