domingo, 31 de março de 2013

Artur de Azevedo: "Pequetita"


PEQUETITA


Como o Bandeira é positivista e não admite a vacina, o Coriolano, que é sobrinho do Bandeira e dirigido por ele, não quis que a Pequetita se vacinasse. Quando D. Isaura, sua esposa, lhe falou nisso, foi como se lhe propusesse uma vergonha.

- Pois tu conheces as minhas idéias e me propões semelhante coisa? Vacinar a Pequetita? Que diria o tio Bandeira?

D. Isaura, que tinha muito bom senso, não costumava contrariar a vontade do marido: submetia - se resignadamente a quanto ele  dizia. Por seu gosto a Pequetita se vacinaria; mas como o Coriolano era de opinião contrária, a Pequetita não seria vacinada. Ora aí está.

Mas   veio   a   varíola,   e   o  bairro   em   que   morava   o   Coriolano   foi   o  mais   experimentado   pela epidemia.   O  pobre-diabo   via,   aterrorizado,   passarem  todos   os   dias   enterros   de  crianças   da vizinhança, e tremia pela sorte da Pequetita.

Um   dia   em   que   o   tio   Bandeira   lhe   apareceu   em   casa,   o   Coriolano   deu-lhe   uma   pequena investida em favor da vacinação, mas o positivista foi inflexível: lançou-lhe um olhar severo, pegou no chapéu e na bengala e disse:

- Se você me torna a falar em vacina, saio por aquela porta e nem o Teixeira Mendes será capaz de fazer com que eu aqui ponha mais os pés!...

- Bom, não se zangue, meu tio: já cá não está quem falou...

Entretanto,   a   epidemia   aumentava   cada   vez   mais,   e   o   Coriolano,   que   andava   inquieto   e sobressaltado, um dia apanhou D. Isaura a jeito e fez-lhe ver os seus receios.

- Se não fosse o tio Bandeira.

- Mandarias vacinar a Pequetita?

- É exato.

- Entretanto,  não  te  aconselho  a que o faças  sem lhe dizer francamente  que tomaste  essa resolução... Se lhe mentisses, ele não te perdoaria!

- o diabo! Se a Pequetita.. . Oh! nem disso me quero lembrar! Eu teria remorso toda a vida!.

- Pois vai à casa do tio Bandeira, e dize-lhe com toda a ombridade que vais mandar vacinar a menina! Não és nenhuma criança nem nenhum idiota que se deixe governar pelos outros!

- Tens razão.

O Coriolano foi à casa do tio Bandeira, e voltou amargurado, com lágrimas nos olhos e na voz.

- Então?... falaste-lhe?... - perguntou D. Isaura.

- Não.

- Por quê?

- Encontrei-o morto!

- Morto?!

- De varíola hemorrágica!  Foi atacado anteontem e hoje ao meio-dia era cadáver!  E eu sem saber de nada! Pobre do Bandeira!...

E o Coriolano desatou em pranto.

Quando serenou, disse a D. Isaura:

- Amanhã, pela manhã... hoje mesmo, ser for possível, vacina-se a Pequetita.

- Não é preciso.

- Por quê?

- Porque a Pequetita há dois meses que está vacinada.

- Há dois meses?!

- Sim! Desde que começou a epidemia!

- E nada me disseste!.

- Para quê? Para te zangares? Se fiz mal, Deus me perdoará porque fui levada pelo meu instinto
de mãe.


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Nota:
Texto-fonte: Arthur Azevedo: Contos Diversos. Data não identificada

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