Como o Bandeira é positivista e não admite a vacina, o Coriolano,
que é sobrinho do Bandeira e dirigido por ele, não quis que a Pequetita se
vacinasse. Quando D. Isaura, sua esposa, lhe falou nisso, foi como se lhe
propusesse uma vergonha.
- Pois tu conheces as minhas idéias e me propões semelhante coisa?
Vacinar a Pequetita? Que diria o tio Bandeira?
D. Isaura, que tinha muito bom senso, não costumava contrariar a
vontade do marido: submetia - se resignadamente a quanto ele dizia. Por seu gosto a Pequetita se
vacinaria; mas como o Coriolano era de opinião contrária, a Pequetita não seria
vacinada. Ora aí está.
Mas veio a
varíola, e o
bairro em que
morava o Coriolano
foi o mais
experimentado pela epidemia. O
pobre-diabo via, aterrorizado, passarem
todos os dias
enterros de crianças
da vizinhança, e tremia pela sorte da Pequetita.
Um dia em
que o tio
Bandeira lhe apareceu
em casa, o
Coriolano deu-lhe uma pequena
investida em favor da vacinação, mas o positivista foi inflexível: lançou-lhe
um olhar severo, pegou no chapéu e na bengala e disse:
- Se você me torna a falar em vacina, saio por aquela porta e nem
o Teixeira Mendes será capaz de fazer com que eu aqui ponha mais os pés!...
- Bom, não se zangue, meu tio: já cá não está quem falou...
Entretanto, a epidemia
aumentava cada vez
mais, e o
Coriolano, que andava
inquieto e sobressaltado, um dia
apanhou D. Isaura a jeito e fez-lhe ver os seus receios.
- Se não fosse o tio Bandeira.
- Mandarias vacinar a Pequetita?
- É exato.
- Entretanto, não te
aconselho a que o faças sem lhe dizer francamente que tomaste
essa resolução... Se lhe mentisses, ele não te perdoaria!
- o diabo! Se a Pequetita.. . Oh! nem disso me quero lembrar! Eu
teria remorso toda a vida!.
- Pois vai à casa do tio Bandeira, e dize-lhe com toda a ombridade
que vais mandar vacinar a menina! Não és nenhuma criança nem nenhum idiota que
se deixe governar pelos outros!
- Tens razão.
O Coriolano foi à casa do tio Bandeira, e voltou amargurado, com
lágrimas nos olhos e na voz.
- Então?... falaste-lhe?... - perguntou D. Isaura.
- Não.
- Por quê?
- Encontrei-o morto!
- Morto?!
- De varíola hemorrágica! Foi
atacado anteontem e hoje ao meio-dia era cadáver! E eu sem saber de nada! Pobre do Bandeira!...
E o Coriolano desatou em pranto.
Quando serenou, disse a D. Isaura:
- Amanhã, pela manhã... hoje mesmo, ser for possível, vacina-se a
Pequetita.
- Não é preciso.
- Por quê?
- Porque a Pequetita há dois meses que está vacinada.
- Há dois meses?!
- Sim! Desde que começou a epidemia!
- E nada me disseste!.
- Para quê? Para te zangares? Se fiz mal, Deus me perdoará porque
fui levada pelo meu instinto
de mãe.
---
Nota:
Texto-fonte: Arthur Azevedo: Contos Diversos. Data não identificada
Texto-fonte: Arthur Azevedo: Contos Diversos. Data não identificada
Nenhum comentário:
Postar um comentário