domingo, 31 de março de 2013

Artur de Azevedo: "Paga ou Morre! "


PAGA OU MORRE! 


O ano de 1864 foi assinalado no Rio de Janeiro por duas calamidades notáveis: a chuva de pedras e a quebra do Souto.

O Souto era o mais acreditado e o mais popular dos banqueiros havidos e por haver no Brasil; a sua casa inspirava uma confiança absoluta, e não havia homem do trabalho que, avisado e previdente, não houvesse lá depositado as suas economias.

Quando começaram a aparecer os primeiros rumores sobre o mau estado das finanças do Souto,  ninguém  se importou  com  isso:  toda a gente encolheu  os ombros.  Supor  naquele tempo que o Souto quebrasse era o mesmo que acreditar na quebra do Pão de Açúcar. O banqueiro na sua casa da Rua Direita não estava menos seguro que o famoso rochedo.

Mas   os   rumores   sinistros   foram   num   crescendo   inquietador,   até   que   os   mais   incrédulos começaram   a  acreditar   no   que   se   dizia:   o   Souto   estava  falido!   Houve   então   a   inevitável corrida.

A invasão dos franceses, a chegada do príncipe regente, as águas do monte, a declaração da guerra do Paraguai, a proclamação  da República, a revolta de 6 de setembro, talvez não alvorotassem tanto o espírito dos cariocas. Não se falava noutra coisa, a consternação era geral, todos se lamentavam, choravam todos o seu dinheiro perdido, e a ninguém aproveitava o ditado de que o mal de muitos consolo é.

Havia então nesta cidade um moço entre vinte e cinco e trinta anos, que, sem pai nem mãe, sem ter tido a proteção de ninguém, levado apenas por uma grande força de vontade e por um talento ainda maior, conseguira formar-se em medicina, e sair da escola com um nome feito.

Pouco depois de formado casou-se, e a sua união foi logo abençoada, como se dizia naquele tempo: nasceram-lhe dois filhos de seguida.

Veio   então   ao   médico   o   desejo   natural   de   possuir   uma   casa,   e,   para   isso,   começou   a economizar quanto podia, conseguindo, em 1864, ter reunidos vinte contos de réis na casa do Souto. Absorvido pela sua clínica e pelos seus estudos, ele ignorava os boatos que corriam acerca da insolvabilidade do banqueiro, de sorte que só veio ao conhecimento do fato quando a bomba estava prestes a estourar.

O seu desgosto foi profundo. Aqueles vinte contos representavam um sacrifício tremendo, porque, para ajuntá-los, ele se privara de tudo, a si e a sua família.

Desesperado,  correu   ao  Souto,   que   o   mandou  entrar   para   um  escritório   onde   trabalhava sozinho. Quando o banqueiro declarou que não lhe era possível restituir os vinte contos, ele correu à porta, fechou-a, guardou a chave na algibeira e, puxando um revólver, apontou-o contra o outro, dizendo:

- Se não me dá imediatamente o meu dinheiro, faço-lhe saltar os miolos! Paga ou morre!.

E aí está porque o Dr.... (com certeza muitos leitores lhe sabem o nome) foi o único credor do Souto que em 1864 recebeu integralmente a importância da sua dívida. Perdeu apenas os juros.

Ele nunca mais fez uso do seu revólver; mas o seu bisturi tornou-se ilustre.


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Nota:
Texto-fonte: Arthur Azevedo: Contos Diversos. Data não identificada

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