domingo, 31 de março de 2013

Artur de Azevedo: "O Último Palpite"


O ÚLTIMO PALPITE 


O caso que vou narrar não é inventado; passou-se, não há muito tempo, no bairro do Engenho Velho.

Havia ali uma família que se deixou dominar pelo jogo do bicho, a ponto de não pensar em outra coisa. Desde pela manhã até à noite havia naquela casa dois assuntos exclusivos de todas as conversas: o bicho que tinha dado e o bicho que ia dar.

O chefe da família era um cardíaco, e quero crer que foram as emoções do jogo que o atiraram na cama para nunca mais se levantar.

Momentos antes de morrer, o pobre homem, cercado pela mulher e os filhos, acenou como se quisesse dizer alguma coisa. A senhora debruçou-se sobre ele, e o moribundo, fazendo um esforço supremo, proferiu estas palavras:

- Joga tudo no cachorro!

Cinco minutos depois exalava o último suspiro.

A viúva, na ocasião  em que, debulhada  em lágrimas,  dava as necessárias ordens para o enterro, lembrou-se, por pegar em dinheiro, da recomendação do defunto; chamou o copeiro e disse-lhe: 

- José, vai jogar dez mil-réis  no cachorro. Não creio que dê, porque ainda anteontem   deu,  mas  devo respeitar  o último palpite do meu  marido.  É um palpite sagrado!

Toda a vizinhança soube da coisa, e não houve bicho careta que não jogasse no cachorro. Os bicheiros do bairro levaram um tiro, porque efetivamente foi o cachorro que deu.

Quando vieram trazer os duzentos mil-réis à viúva, ainda não tinha saído de casa o cadáver do marido.

Ela ficou desesperada, e, abraçando o caixão, exclamou entre lágrimas, com grande espanto das pessoas presentes:

- Perdoa, Manuel, perdoa! Tu me disseste que jogasse tudo no cachorro, e eu joguei apenas dez mil-réis!  Agora vejo que estavas inspirado pela bondade divina, e querias deixar tua família amparada!. . . Recebi apenas duzentos mil- réis! Perdoa Manuel, perdoa!


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Nota:
Texto-fonte: Arthur Azevedo: Contos Diversos. Data não identificada

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