O GALO
A cena passa-se na roça, a uma légua da estação menos importante
da Estrada de Ferro Leopoldina, lugarejo sem denominação geográfica, mas que
pertence ao município do Rio Bonito, e aqui o digo, para que os leitores não
suponham que estou inventando uma historieta.
Havia no lugarejo em questão uma palhoça habitada por dois
roceiros, marido e mulher, que todos
os domingos iam
à povoação mais
próxima vender os produtos da sua pequena roça e ouvir
missa. Assim atamancavam eles a vida, pedindo
a Deus que
não lhes desse
muita fazenda mas
lhes conservasse a saúde.
Ora, um belo dia a saúde desapareceu: o marido, apesar de ter a
resistência de um touro, foi para a cama atacado por umas cólicas terríveis,
que o faziam ver estrelas.
A mulher, coitada!, estava sem saber o que fizesse, pois que já
havia em vão experimentado todas as mesinhas caseiras, quando ali passou por acaso, ao trote do seu jumento, o Dr. Marcolino, que
exercia a medicina ambulante numa zona de muitas léguas. A roceira agradeceu a Providência que
lhe enviava o doutor e pediu
a este que
examinasse o doente
e o pusesse
bom o mais
baratinho que lhe fosse possível.
O Dr. Marcolino apeou-se, entrou na palhoça, examinou o enfermo,
auscultou-o, martelou-lhe o corpo inteiro com o nó do dedo grande e explicou a
moléstia com palavras difíceis que aquela pobre gente não entendeu. Depois,
abriu o saco de viagem que levava à
garupa do animal, tirou alguns vidros, de cujo conteúdo derramou algumas gotas
num copo d'água, e disse doutoralmente:
- Aqui fica esta poção para ser tomada de três em três horas.
- Ah! seu doutor, nós aqui
não podemos contar as horas, porque não
temos relógio!
- Regulem-se pelo
sol. O sol é
um excelente relógio
quando não chove e o tempo está seguro.
- Não sei disso, seu doutor, não entendo do relógio do sol...
- Nesse caso não sei como... Ah!...
Este ah!, com que o doutor interrompeu o que
ia dizendo, foi produzido pela presença
de um galo que passava no terreiro, majestosamente.
- Ali está um relógio, continuou o doutor: aquele galo. Todas as
vezes que ele cantar, dê-lhe uma
colher do remédio.
E adeus! Não
será nada: Depois
de amanhã voltarei para ver o doente.
Foi-se o médico, e daí a dois dias voltou ao trote do seu jumento.
Quem o recebeu foi o marido:
- Que é isto?... já de pé...
- Sim, senhor: estou completamente bom, não tenho mais nada. E não
sei como agradecer...
Mas a mulher interveio com ar magoado:
- Sim, ele não tem mais nada, mas o pobre galo morreu.
- Morreu? Por quê?.
- Não sei, doutor... ele bebeu todo o remédio.
- Quem?... o galo?...
- Sim, senhor; todas as vezes que ele cantava, eu, segundo a
recomendação do doutor, abria-lhe o bico, e derramava-lhe uma colher da droga
pela goela abaixo! Que pena! Era um galo tão bonito!
Nota:
Texto-fonte: Arthur Azevedo: Contos Diversos. Data não identificada
Texto-fonte: Arthur Azevedo: Contos Diversos. Data não identificada
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