domingo, 31 de março de 2013

Artur de Azevedo: "O Lencinho"


O LENCINHO


O   Juvêncio,   explicador   de   matemáticas,   era   um   homem   lúgubre.Nunca ninguém o viu rir, nunca ninguém lhe apanhou a expressão do olhar através dos   óculos   escuros.

Tinha   as   faces   encovadas,   o   nariz   adunco,   a   barba crescida.Trajava sempre de preto e usava chapéu alto.

Era distraído e parecia estar sempre vagando pelos intermúndios do infinito, levado sobre uma nuvem de algarismos.Numa dessas belas tardes cariocas, em que todas as mulheres bonitas   vão   assoalhar   na   Avenida   a   sua   beleza   e   as   suas  toilettes,  o explicador   Juvêncio   tomou,   com   alguma   dificuldade,   o   bonde   no   Largo   da Carioca, para ir dar uma explicação no Catete. Era à hora de mais afluência. Os lugares eram conquistados à força de agilidade e destreza. 

O explicador Juvêncio ficou, por acaso, num bonde cheio de mulheres, num bonde que parecia antes a barca de Citera, pintada por um Watteau moderno.

Que pena! O explicador Juvêncio, que era um viúvo positivista, não tinha olhos para   a   porção   mais  bela   da   humanidade.No  banco   em   que   ele   se   sentou estavam três cocottes espaventosas, que o embriagavam com uma porção de capitosos perfumes.

O banco da frente estava ocupado por uma família: três elegantes senhoritas, acompanhadas pela mãe, que poderia passar pela irmã mais   velha.

As   três   senhoritas   falavam   pelos   cotovelos,   comentando   tudo quanto tinham visto durante o passeio.

Uma delas, por sinal que a mais bonita, agitava entre os dedos um pequenino lenço branco, um mimo de lenço em que nariz algum se atreveria a assoar-se.

No calor da conversa, a senhorita fez um   gesto,   e   o   lenço,   escapando-lhe   da   mão,   foi   cair   -   vejam   que   fatal  casualidade!   -   foi   cair   mesmo   em   cima   da   braguilha   do   explicador Juvêncio.Este,   que   ia   entretido   a   ler   um   livro   de   matemáticas,   não   deu absolutamente pela coisa.
  
As cocottes riram a bom rir, mas nenhuma se atreveu a ir buscar o lenço onde caíra  para  entregá-lo  à dona. Entretanto,  a  que  estava junto   do  explicador Juvêncio   deu-lhe   uma  cotovelada   e,  com  um   olhar,  chamou-lhe  a  atenção para o lenço.O que se passou então foi extraordinário. O explicador Juvêncio disse consigo:

- Quando me hei de corrigir das minhas distrações? Pois não é que deixei ficar de fora um pedaço da fralda da camisa? E imediatamente, cobrindo com o livro o que estava fazendo, empurrou o lencinho para dentro da   braguilha.

Depois,   tirou   o   chapéu   à  cocottedizendo:   -   Muito   obrigado, minha senhora - e continuou a ler imperturbavelmente.


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Nota:
Texto-fonte: Arthur Azevedo: Contos Diversos. Data não identificada

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