O CUCO
Não havia meio de conseguir que o Roberto ficasse uma noite em
casa, fazendo companhia à senhora: havia de sair por força depois de jantar,
sozinho, e só voltava às dez, às onze horas, e mesmo algumas vezes depois da
meia-noite.
A senhora, que
era uma santa,
como todas as
mulheres de maridos
notívagos, não se lastimava, não pedia ao Roberto que a
levasse consigo, não lhe perguntava, sequer, por onde tinha andado, quando o
via chegar um pouco mais tarde, o que raras vezes acontecia, porque em regra,
quando o cuco da sala de jantar dava dez horas, já ela, coitadinha!, estava
ferrada no sono.
* * *
O cuco da sala de jantar era um dos mais curiosos que ficaram no
Rio de Janeiro, do tempo em que foram moda: pertencera à avó de Roberto, e este
por dinheiro nenhum se desfaria de tão preciosa relíquia de família, que era ao
mesmo tempo saudosa recordação da infância.
As horas eram dadas por um pássaro mecânico. Saía este da sua gaiola,
abria o bico e punha-se a cantar lentamente: - "Cuco, cuco, cuco..."
O Roberto, em criança, imitava-o a ponto de enganar as pessoas de casa.
* * *
Uma noite foi o
nosso herói ao Cassino
Nacional, e deixou-se tentar por
um amigo, que o convidou para cear com ele e duas chanteuses,
uma gommeuse e outra excentrique.
Depois da ceia, o amigo partiu com uma delas para Citera, vulgo
Copacabana, e o Roberto foi obrigado a acompanhar a outra a uma pensão da Praia
do Russel.
Quando ele deu por si, eram quase quatro horas da madrugada! Oh,
diabo!, a essa hora nunca entrara no lar doméstico!
Meteu-se num tílburi, que lhe apareceu providencialmente, e voou
para casa. Abriu a porta com toda a cautela e antes de subir a escada, tirou as
botinas, para não fazer bulha.
O seu quarto - seu e de sua esposa - era contíguo à sala de jantar
tornava-se preciso atravessar esta para lá entrar.
Ele atravessou, mas, como estivesse no escuro, esbarrou numa
cadeira, que caiu com estrondo.
Logo ouviu o Roberto a senhora remexer-se na cama e disse consigo:
- Sebo! lá acordei minha mulher!
Ela perguntou:
- És tu, Roberto?
- Sim, sou eu, sinhazinha.
E o marido acrescentou para si:
- Felizmente não sabe que horas são.
Mas, nisto, o
cuco saiu da
gaiola, e começou
a cantar lentamente:
"Cuco... cuco... cuco...
cuco..."
- Estou perdido! -
pensou o Roberto, mas uma
idéia luminosa lhe
atravessou de repente o cérebro, e quando
o pássaro cantou pela
quarta vez e voltou
para a gaiola,
ele continuou: "Cuco...
cuco... cuco..." até completar onze cucos.
O próprio Roberto não sabia que ainda imitasse o pássaro com tanta
perfeição.
- Onze horas - disse ele depois do décimo primeiro cuco -. Julguei
que fosse mais cedo!
E começou a despir-se.
A santa senhora voltou-se para o outro lado e adormeceu de novo.
Não deu pela coisa.
---
Nota:
Texto-fonte: Arthur Azevedo: Contos Diversos. Data não identificada
Texto-fonte: Arthur Azevedo: Contos Diversos. Data não identificada
Nenhum comentário:
Postar um comentário