MORTA QUE MATA
(CONTO MEIO PLAGIADO E MEIO ORIGINAL)
Um dia em que o Barreto, acabado o expediente, palestrava com
alguns dos seus colegas de repartição, queixou-se da mesquinhez dos ordenados.
- Ora! Tu nada sofres! Acudiu um dos colegas, com um sorriso
impertinente.
- Nada sofro?! Ora esta! Por quê?!.
- Porque és rico!
- Rico, eu?!...
- Naturalmente. Se não fosses rico, tua mulher não poderia andar
coberta de brilhantes!
O Barreto soltou uma gargalhada.
- Ah, meu amigo, os brilhantes de minha mulher são falsos, são
baratinhos, não valem nada!
- Não parece.
- Não parece, mas são. Minha
mulher é de uma economia feroz, e
tudo quanto economiza emprega em toilettes
e jóias... mas que jóias!... Falsas, falsas como Judas... Já lhe
tenho dito um milhão de vezes que se
deixe disso; que não use jóias uma vez
que não pode usá-las verdadeiras; que ela somente a si mesma se ilude,
tornando-se ridícula aos olhos do mundo; mas não há meio: aquilo é mania! Tirem
tudo, tudo à Francina, mas deixem-lhe as suas jóias de pechisbeque!...
Realmente assim essa Francina, de vez em quando, mostrava ao
marido um par de bichas de brilhantes
ou um colar
de pérolas, que
produziam o mais
deslumbrante efeito, mas
não passavam de jóias de teatro, compradas com os vinténs que ela
poupava nas despesas da copa.
Barreto, que fora sempre um pobretão, nada entendia de pedras
finas e por isso achava que as de sua mulher, apesar de falsas, eram bonitas;
mas, no íntimo, ele envergonhava-se daquela fulgurante exibição no pescoço, nos
braços, nos dedos e nas orelhas de Francina.
- Os que sabem que essas jóias são falsas, pensava ele, hão de me
achar ridículo; os que as supõem verdadeiras poderão fazer de mim um juízo
ainda mais desagradável. Toda a gente sabe
quanto ganho: os
meus vencimentos figuram
na coleção de
leis, na tabela
anexa ao regulamento da minha
repartição...
O Barreto pensava bem; mas a sua debilidade moral não permitia que
ele contrariasse Francina. Um dia o fracalhão percebeu - com que alegria! - que
ela estava no seu estado interessante.
Eram casados havia
oito anos e
só agora se
lembrava o céu
de abençoar a
sua união, mandando-lhes um
filho! Ele esperava
que os cuidados maternos
modificassem o que
sua mulher tinha de ridícula e vaidosa.
Mas as suas
esperanças foram cruelmente
frustradas pela fatalidade:
a criança, extraída
a ferros, nasceu morta, e Francina morreu de eclampsia.
O Barreto sentiu tanto, tanto, que quase morreu também.
Havia um mês que era viúvo quando um dia lhe apareceu em casa um
homem que ele não conhecia, e se deu a conhecer como um dos joalheiros mais
conhecidos da capital.
O Barreto perguntou-lhe o motivo da sua visita.
- É muito simples. A falecida sua senhora tinha jóias. É natural
que o senhor não precisando delas
pretenda desfazer-se de
algumas, senão de
todas. Venho pedir-lhe
que me dê a
preferência.
- Preferência para quê?
- Para comprá-las.
- Mas, meu caro senhor, as jóias de minha mulher são falsas.
- Falsas? Ora essa! E é a mim que o senhor diz isso, a mim que
lhas vendi! A sua senhora seria incapaz de pôr uma jóia falsa!
- O senhor engana-se!
- Tanto não me engano, que lhe ofereço por essas jóias, se se
conservam todas em seu poder, sessenta contos de réis!
O Barreto ficou petrificado; entretanto, disfarçou como pôde a
comoção, e despediu o joalheiro, dizendo que o procuraria na loja.
Logo que ficou só, encaminhou-se para o quarto da morta, e abriu a
cômoda onde se achavam as jóias; mas ao vê-las sentiu uma onda de sangue
subir-lhe à cabeça e caiu para trás. Quando lhe acudiram estava morto.
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Nota:
Texto-fonte: Arthur Azevedo: Contos Diversos. Data não identificada
Texto-fonte: Arthur Azevedo: Contos Diversos. Data não identificada
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