NA EXPOSIÇÃO
O Raimundo saiu do Maranhão aos vinte anos, muito disposto a nunca
mais lá voltar, para não tornar a ver Filomena - e desde que aqui chegou (já lá
se vão tantos anos!) fugiu de todas as coisas e de todas as pessoas que lhe
pudessem recordar a sua terra natal.
Não lhe falassem no bacuri, nem no mucuri, nem no assai, nem no arroz
de cuchá, nem no tabaco do Codó, nem nas cuias da Maioba, nem nos
requeijões de São Bento, nem nos camarões
de Alcântara; não pronunciassem na sua presença os nomes de Gonçalves Dias, João Lisboa,
Sotero dos Reis,
Joaquim Serra e
outros maranhenses ilustres;
não se referissem, de modo que
ele pudesse ouvir, às novenas dos Remédios, aos passeios do Anil, aos banhos do
Cutim e às serenatas ao luar no Pau da Bandeira ou no campo do Ourique; tudo isso lhe
trazia à memória
Filomena, aquela ingrata,
que, depois de
ter feito mil juramentos de
que só dele seria, esqueceu-o
para lançar-se nos braços do
Cardoso, um negociante apatacado, com quem se casou.
Depois deste golpe,
que esteve quase
a matá-lo, Raimundo
incompatibilizou-se com o Maranhão
e tornou-se o
mais carioca dos
cariocas; entretanto, conservou
no coração a lembrança dolorosa daquele amor infeliz,
e, fiel ao seu próprio infortúnio, não procurou mulher que o fizesse esquecer
Filomena. Ficou solteiro.
Durante muitos anos os seus sentimentos não se modificaram;
ultimamente, porém, a idade começou a exercer no seu espírito uma ação
benéfica, e ele refletiu, pela primeira vez, que a sua terra não tinha culpa da
ingratidão de Filomena.
- Preciso reconciliar-me com o Maranhão, pensou Raimundo, e foi
com esta idéia sensata que ele procurou a seção maranhense no Palácio da
Exposição.
Mas percorrendo as salas onde se acham expostos os produtos do seu
Estado, o pobre-diabo começou a ver
Filomena em tudo;
Filomena aparecia-lhe nos
móveis, nos artefatos,
nas fibras, nos tecidos, nas rendas, nas favas, no arroz - Filomena
surgia de toda a parte!
As salas estavam quase desertas; além do Raimundo, estavam ali
apenas três visitantes e uma família - marido, mulher, cinco filhos e uma
criada, que examinavam tudo com atenção.
De repente, no meio daquele silêncio, a voz do marido repercutiu:
- Filomena!
- Que é Cardoso?
- Vem ver como é bem feita esta rede!
O Raimundo ficou frio e como que grudado ao chão. Filomena! Cardoso!
Era ela! Era ele! Eram eles!.
Passados alguns momentos, ele voltou ao seu natural, e,
disfarçado, aproximou-se... Que transformação!... que ruína!...
Mas que transformação também a dele, porque ela não o
reconheceu...
O caso é que essa visita à Exposição completou a cura, que já
começara. O Raimundo voltou a ser um bom maranhense, e agora está disposto a
matar saudades da sua terra. Filomena já não existe.
---
Nota:
Texto-fonte: Arthur Azevedo: Contos Diversos. Data não identificada
Texto-fonte: Arthur Azevedo: Contos Diversos. Data não identificada
Nenhum comentário:
Postar um comentário