MAL POR MAL...
Há bons maridos que se tornam maus porque as mulheres não são
boas. O Sebastião está ou esteve nesse caso: tão apoquentado se viu pela
cara-metade, que um belo dia resolveu procurar na rua os carinhos que não
encontrava no lar doméstico.
Não foi preciso
procurar muito. O
acaso fê-lo encontrar
na Avenida Central,
diante de um
cinematógrafo-anúncio, uma bela morena que lhe deu volta ao miolo
e lhe tirou noites de sono.
Se D. Flaviana, a mulher d0
Sebastião, fosse meiga e condescendente, e não tivesse tão mau gênio,
está visto que ele não se deixaria prender nos braços de outra; mas deixou-se
prender – e preso ficou ao
ponto de arranjar
uma casinha lá
para os lados
da Cidade Nova,
onde esconderam - a morena e ele - o seu delicioso pecado.
E tão bem escondidínho estava que ninguém sabia de nada, exceção
feita de Sepúlveda, o melhor amigo de Sebastião.
E o Sepúlveda não podia
ser mais obsequioso. Como
percebeu que a felicidade
do amigo estava naquele derivativo, ele próprio se encarregou de alugar
a casinha e mobiliá-la. A sua obsequiosidade foi ao ponto de arranjar para a
porta da rua uma fechadura que se abria com a mesma chave
da fechadura conjugal.
De modo que
o Sebastião não
tinha necessidade de andar com duas chaves, o que seria
perigoso.
D. Flaviana, se fosse mais observadora, teria notado que de certo
tempo em diante o Sebastião começou a sofrer resignado todas as suas
impertinências. O pobre diabo dizia consigo: - "Lá tenho a Mirandolina
para consolar-me." - Mirandolina era o nome da morena.
Entretanto, o Sebastião não ficava nenhuma noite fora de casa.
Passava algumas horas com a Mirandolina, mas á hora conveniente lá ia para
casa.
Uma noite destas encontrou D. Flaviana acordada e disposta a
brigar. Ela andava já com suas desconfianças de que o marido tinha contrabando
lá fora, e entendeu que naquela noite deveria pôr tudo em pratos limpos.
Recebeu o pobre homem com duas pedras na mão.
- Onde esteve o senhor até estas horas?
- Não tenho que lhe dar satisfações!
Quero saber onde o senhor esteve! Olhe que eu perco a cabeça!
- Pois perca, mas antes disso deixe-me ir embora!
- Que a leve a breca! - disse consigo.
Mas era tarde, muito tarde, e o Sebastião precisava dormir.
Lembrou-se de ir para um hotel, mas refletiu:
- Para que, se tenho Mirandolina? Ela não conta comigo! Vai ter um
alegrão com a minha volta!.
E lá foi para a casa da Mirandolina.
Meteu a chave no trinco, abriu a porta sem rumor, e entrou
devagarinho no quarto dela, que ressonava.
Aproximou-se e viu, surpreso, que um homem dormia ao lado de
Mirandolina. Deu toda a força ao bico do gás, e reconheceu que esse homem era o
Sepúlveda, o seu melhor amigo.
Este levantou-se extremunhado.
- Fica onde estás! A casa é tua deste momento em diante! disse-lhe
o Sebastião.
E o mísero
saiu, e voltou
para o lado
da mulher legítima,
que encontrou chorosa
e quase submissa.
- No final das contas, pensou ele, mal por mal, antes a obrigação
que a devoção.
Nota:
Texto-fonte: Arthur Azevedo: Contos Diversos. Data não identificada
Texto-fonte: Arthur Azevedo: Contos Diversos. Data não identificada
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