domingo, 31 de março de 2013

Artur de Azevedo: "Duas Apostas"

DUAS APOSTAS 


Quando apareceu o primeiro número d'o  Século,  o Comendador Salazar, que encontrou um exemplar em casa, tomou-o entre as mãos, percorreu-o rapidamente com os olhos e disse, com aquele ar impertinente e desdenhoso que faz dele, benza-o Deus, um dos negociantes mais antipáticos da nossa praça:

- Isto não tem vida para um mês!

- Por que, papai? - perguntou a senhorita Esmeralda.

- Porque não tem. É um jornaleco que não me inspira a menor confiança. A moça, que gostava de contrariar o autor dos seus dias, redargüiu logo:

- Pois eu estou convencida de que este jornal tem vida para muito tempo!

- Por que, minha filha?

- Porque tem.

- Veremos.

Havia oito dias que Esmeralda tinha sido pedida em casamento pelo Sousinha, e o Comendador Salazar   respondera   que   era   muito   cedo:   a   filha   não   tinha   ainda   completado   17   anos,   e   o pretendente acabava apenas de atingir a maioridade.

- É muito cedo para pensarem em casamento! - sentenciara ele.

Mas, voltando a O Século:

- Com que então, papai é de parecer que este jornal será efêmero?

- Já te disse que sim!

-   Pois   bem:   façamos   uma   aposta.  Se   O  Século  não   viver   um   ano,   eu   bordarei   um  par   de chinelos de lá para papai; se viver... no dia em que ele completar o primeiro aniversário, papai consentirá no meu casamento com seu Sousinha.

O comendador soltou uma gargalhada e disse:

- Pois está dito!

Imaginem agora os leitores com que interesse Esmeralda e o Sousinha acompanhavam a vida d'O Século! A moça comprava todas as tardes um número da folha, e colocava-o bem à vista, sobre a mesa de jantar, para que o pai o visse.

- Então O Século ainda vive?

- Ainda, e não parece disposto a morrer!

- Pois sim! Qualquer dia desaparece da circulação!

No dia em que O  Século  completou o seu primeiro aniversário, Esmeralda lembrou ao pai a aposta, e o nosso comendador teve que se submeter.

Fez-se o casamento, e, passados  alguns dias, o sogro lamentava-se em  conversa com sua esposa:

- Casamos a pequena com um criançola! Hás de ver que aquele maricas tão cedo não nos dará um neto!

A filha, que passava e ouviu, acudiu prontamente:

- Vamos fazer uma aposta, papai?

- Que aposta?

-  Se  no  dia em  que  O  Século  completar  o  segundo  aniversário  o senhor  não tiver ainda   a satisfação de ser avô, eu bordarei aquelas famosas chinelas... se tiver, abrirá com um conto de réis uma caderneta da Caixa Econômica, em favor do pequeno... ou da pequena...

Há dois meses Esmeralda é mãe e o comendador já se explicou com o conto de réis.

O outro dia ela chegou-se ao pai, e disse:

- Vamos fazer outra aposta?

- Qual?

- Se no dia em que O Século completar o terceiro aniversário...

- Nada! nada! não me apanhas! O tal Século tem vida para... um século!


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Nota:
Texto-fonte: Arthur Azevedo: Contos Diversos. Data não identificada

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