A DOENÇA DO FABRÍCIO
O Fabrício era
amanuense numa repartição
pública, e gostava
muito da Zizinha, filha única do
Major Sepúlveda.
O seu desejo era casar-se com ela, mas para isso era preciso ser
promovido porque os vencimentos
de amanuense não
davam para sustentar
família. Portanto, o Fabrício limitava-se à posição de namorado,
esperando ansioso o momento em que pudesse ter a de noivo.
Um dia, o rapaz recebeu uma carta de Zizinha, participando-lhe que
o pai, o Major Sepúlveda, resolvera passar um mês em Caxambu, com a família, e pedindo-lhe que também
fosse, pois ela não teria forças para viver tão longe dele.
Sorriu ao amanuense
a idéia de
ficar uma temporada
em Caxambu, hospedado no mesmo
hotel que Zizinha. Sendo como era, moço econômico, tinha de parte os recursos
necessários para as despesas da viagem; faltava- lhe apenas a licença, mas com
certeza o ministro não lha negaria.
Enganava-se o pobre
namorado. O ministro,
a quem ele
se dirigiu pessoalmente,
perguntou-lhe de carão fechado:
- Para que quer o senhor dois meses de licença?
- Para tratar-me.
- Mas o senhor não está doente!
- Estou, sim, senhor; não parece, mas estou.
Nesse caso submeta-se à inspeção de saúde e traga-me o laudo. Só
lhe darei a licença sob essa condição.
Três dias depois o Fabrício, metido numa capa, com lenço de seda
atado em volta do pescoço, a barba por fazer, algodão nos ouvidos, foi à
Diretoria Geral de Saúde.
O seu aspecto era tão doentio que o doutor encarregado de
examiná-lo disse logo que o viu:
- Aqui está um que não engana: vê-se que está realmente enfermo!
E dirigindo-se ao Fabrício:
- Que sente o senhor?
O Fabrício respondeu com uma voz arrastada e chorosa:
- Sinto muitas
coisas, doutor; dores
pelo corpo, cansaço,
ferroadas no estômago, opressão
no peito.
- Vamos lá ver isso! Dispa o casaco!
O Fabrício pôs-se em mangas de camisa, e o médico auscultou-o.
- Não tem tosse?
- Tenho, mas só à noite; não me deixa dormir.
- Bom. Pode vestir o casaco.
E o doutor foi escrever o laudo,
que entregou ao amanuense. Este na rua desdobrou o papel, para ver que
espécie de doença lhe arranjara o médico e leu: "Cardialgia sintomática da
diátese artrítica."
Não imaginem o efeito que lhe produziram essas palavras
enigmáticas para ele.
- E não é que eu estou mesmo doente? - pensou o pobre rapaz.
Ao chegar a casa, tinha as fontes a estalar. Vieram depois
arrepios de frio, a que sucedeu uma febre violenta e febre foi ela, que durou
vinte dias.
O enfermo teve alta justamente quando Zizinha voltava de Caxambu
com um noivo arranjado lá.
Maldita cardialgia sintomática da diátese artrítica.
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Nota:
Texto-fonte: Arthur Azevedo: Contos Diversos. Data não identificada
Texto-fonte: Arthur Azevedo: Contos Diversos. Data não identificada
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