domingo, 31 de março de 2013

Artur de Azevedo: "A Doença do Fabrício"


A DOENÇA DO FABRÍCIO


O   Fabrício   era   amanuense   numa   repartição   pública,   e   gostava   muito   da Zizinha, filha única do Major Sepúlveda.

O seu desejo era casar-se com ela, mas para isso era preciso ser promovido porque   os   vencimentos   de   amanuense   não   davam   para   sustentar   família. Portanto, o Fabrício limitava-se à posição de namorado, esperando ansioso o momento em que pudesse ter a de noivo.

Um dia, o rapaz recebeu uma carta de Zizinha, participando-lhe que o pai, o Major Sepúlveda, resolvera passar um mês em Caxambu,  com a família, e pedindo-lhe que também fosse, pois ela não teria forças para viver tão longe dele.

Sorriu   ao   amanuense   a   idéia   de   ficar   uma   temporada   em   Caxambu, hospedado no mesmo hotel que Zizinha. Sendo como era, moço econômico, tinha de parte os recursos necessários para as despesas da viagem; faltava- lhe apenas a licença, mas com certeza o ministro não lha negaria.

Enganava-se   o   pobre   namorado.   O   ministro,   a   quem   ele   se   dirigiu pessoalmente, perguntou-lhe de carão fechado:

- Para que quer o senhor dois meses de licença?

- Para tratar-me.

- Mas o senhor não está doente!

- Estou, sim, senhor; não parece, mas estou.

Nesse caso submeta-se à inspeção de saúde e traga-me o laudo. Só lhe darei a licença sob essa condição.

Três dias depois o Fabrício, metido numa capa, com lenço de seda atado em volta do pescoço, a barba por fazer, algodão nos ouvidos, foi à Diretoria Geral de Saúde.

O seu aspecto era tão doentio que o doutor encarregado de examiná-lo disse logo que o viu:

- Aqui está um que não engana: vê-se que está realmente enfermo!

E dirigindo-se ao Fabrício:

- Que sente o senhor?

O Fabrício respondeu com uma voz arrastada e chorosa:

-   Sinto   muitas   coisas,   doutor;   dores   pelo   corpo,   cansaço,   ferroadas   no estômago, opressão no peito.

- Vamos lá ver isso! Dispa o casaco!

O Fabrício pôs-se em mangas de camisa, e o médico auscultou-o.

- Não tem tosse?

- Tenho, mas só à noite; não me deixa dormir.

- Bom. Pode vestir o casaco.

E o doutor foi escrever o laudo,  que entregou ao amanuense. Este na rua desdobrou o papel, para ver que espécie de doença lhe arranjara o médico e leu: "Cardialgia sintomática da diátese artrítica."

Não imaginem o efeito que lhe produziram essas palavras enigmáticas para ele.

- E não é que eu estou mesmo doente? - pensou o pobre rapaz.

Ao chegar a casa, tinha as fontes a estalar. Vieram depois arrepios de frio, a que sucedeu uma febre violenta e febre foi ela, que durou vinte dias.

O enfermo teve alta justamente quando Zizinha voltava de Caxambu com um noivo arranjado lá.

Maldita cardialgia sintomática da diátese artrítica.


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Nota:
Texto-fonte: Arthur Azevedo: Contos Diversos. Data não identificada

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