A CONSELHO DO MARIDO
Estamos a bordo de um grande paquete da Messagéries Maritimes, em
pleno Atlântico, entre os dois hemisférios. Dois passageiros, que embarcaram no
Rio de Janeiro, um
de quarenta e
outro de vinte e cinco anos, conversam animadamente, sentados ambos nas suas cadeiras de bordo.
- Pois é como lhe digo, meu amiguinho! - dizia o passageiro de
quarenta anos - o homem, todas as vezes que é provocado pela mulher, seja a
mulher quem for, deve mostrar que é homem!
Do contrário, arrisca-se a uma vingança! O caso da mulher de Putifar
reproduz-se todos os dias!
- E se o marido for nosso amigo?
- Se o marido for nosso amigo, maior perigo corremos fazendo como
José do Egito.
- O que você está dizendo é simplesmente horrível!
- Talvez, mas o que é preferível: ser amante da mulher de um amigo
sem que este o saiba, ou passar aos olhos dele por amante dela sem o ser, em
risco de pagar com a vida um crime que não praticou?
- Acha então que temos o direito sobre a mulher do próximo...?
- Desde que a mulher do próximo nos provoque. Se o próximo é nosso
amigo, paciência! Não se
casasse com uma
mulher assim! Olhe,
eu estou perfeitamente tranqüilo
a respeito da
Mariquinhas! Trouxe-a comigo
nesta viagem porque ela quis vir; se quisesse ficar no Rio de Janeiro
teria ficado e eu estaria da mesma forma tranqüilo.
- Mas o grande caso é que se um dia algum dos seus amigos...
- Desse susto não bebo água. Já um deles pretendeu conquistá-la...
chegou a persegui-la... Ela foi
obrigada a dizer-mo
para se ver livre dele... Dei um escândalo! Meti-lhe a bengala em plena Rua do Ouvidor!
Dizendo isto, o passageiro de quarenta anos fechou os olhos, e
pouco depois deixava cair o livro que tinha na mão: dormia. Dormia, e aqueles sonos
de bordo, antes do jantar, duravam pelo menos duas horas.
O passageiro de vinte e cinco anos ergueu-se e desceu ao
compartimento do paquete onde ficava o seu camarote.
Bateu levemente à porta. Abriu-lhe uma linda mulher que se lançou
nos seus braços. Era a Mariquinhas.
- Então? - perguntou ela - consultaste meu marido?
- Consultei...
- Que te disse ele?
- Aconselhou-me a que não
fizesse como José
do Egito. Amigos,
amigos, mulheres à parte.
E o passageiro de
vinte e cinco anos correu cautelosamente o ferrolho do camarote.
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Nota:
Texto-fonte: Arthur de Azevedo: Contos Diversos. Data não identificada
Texto-fonte: Arthur de Azevedo: Contos Diversos. Data não identificada
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