domingo, 31 de março de 2013

Artur de Azevedo: "A Conselho do Marido"


A CONSELHO DO MARIDO 


Estamos a bordo de um grande paquete da Messagéries Maritimes, em pleno Atlântico, entre os dois hemisférios. Dois passageiros, que embarcaram no Rio de   Janeiro,   um   de   quarenta   e   outro   de   vinte  e cinco   anos,  conversam animadamente, sentados ambos nas suas cadeiras de bordo.

- Pois é como lhe digo, meu amiguinho! - dizia o passageiro de quarenta anos - o homem, todas as vezes que é provocado pela mulher, seja a mulher quem for, deve mostrar que é homem!  Do contrário, arrisca-se a uma vingança! O caso da mulher de Putifar reproduz-se todos os dias!

- E se o marido for nosso amigo?

- Se o marido for nosso amigo, maior perigo corremos fazendo como José do Egito.

- O que você está dizendo é simplesmente horrível!

- Talvez, mas o que é preferível: ser amante da mulher de um amigo sem que este o saiba, ou passar aos olhos dele por amante dela sem o ser, em risco de pagar com a vida um crime que não praticou?

- Acha então que temos o direito sobre a mulher do próximo...?

- Desde que a mulher do próximo nos provoque. Se o próximo é nosso amigo, paciência!   Não   se   casasse   com   uma   mulher   assim!   Olhe,   eu   estou perfeitamente   tranqüilo   a   respeito   da   Mariquinhas!   Trouxe-a   comigo   nesta viagem porque ela quis vir; se quisesse ficar no Rio de Janeiro teria ficado e eu estaria da mesma forma tranqüilo.

- Mas o grande caso é que se um dia algum dos seus amigos...

- Desse susto não bebo água. Já um deles pretendeu conquistá-la... chegou a persegui-la...   Ela   foi   obrigada   a   dizer-mo   para  se ver livre   dele...  Dei  um escândalo! Meti-lhe a bengala em plena Rua do Ouvidor!

Dizendo isto, o passageiro de quarenta anos fechou os olhos, e pouco depois deixava cair o livro que tinha na mão: dormia. Dormia, e aqueles sonos de bordo, antes do jantar, duravam pelo menos duas horas.

O passageiro de vinte e cinco anos ergueu-se e desceu ao compartimento do paquete onde ficava o seu camarote.

Bateu levemente à porta. Abriu-lhe uma linda mulher que se lançou nos seus braços. Era a Mariquinhas.

- Então? - perguntou ela - consultaste meu marido?

- Consultei...

- Que te disse ele?

- Aconselhou-me  a que  não  fizesse   como  José   do  Egito.  Amigos,  amigos, mulheres à parte.

E  o passageiro  de  vinte  e cinco anos correu  cautelosamente o ferrolho do camarote.


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Nota:
Texto-fonte: Arthur de Azevedo: Contos Diversos. Data não identificada

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