"BARCA"
Há maridos e
mulheres, dizem as
más línguas, que
passam o verão
em Petrópolis para fazer das suas à vontade. Não sei se é isso exato
quanto às mulheres; quanto aos maridos, tenho certeza de que o é.
D. Senhorinha, esposa
exemplar, exemplaríssima, era
casada com um negociante rico, o João Saraiva, que
todos os anos, em fins de novembro, dava com ela em Petrópolis até abril, sob
pretexto de que a cidade do Rio de Janeiro se tornava inabitável durante a
canícula.
O que ele queria era estar como o boi solto que, segundo o rifão,
se lambe todo. Havia na Rua
do Riachuelo uma
francesa que lhe
dava volta ao
miolo e constantemente o
obrigava a perder a barca.
Nessas ocasiões, D.
Senhorinha recebia sempre um telegrama, e acreditava, coitada, porque tinha a mais
cega confiança no marido, e sabia que ele era muito ocupado. Por fim, João
Saraiva tantas e tão repetidas vezes perdia a barca, por este ou
aquele motivo, que
marido e mulher
resolveram adotar uma
palavra convencional para cada vez que isso acontecesse. Adotaram a
palavra "barca".
* * *
Uma vez, D. Senhorinha, ali por volta das 2 horas da tarde,
bocejava na sua solidão petropolitana, quando lhe levaram um telegrama.
Ela abriu-o um pouco sobressaltada, pois o marido não
costumava telegrafar àquela
hora, e qual
não foi a
sua surpresa vendo
que o telegrama
dizia simplesmente: "Barca".
- Não pode ser! pensou D. Senhorinha. A barca sai da Prainha às 4
horas e são apenas 2! Com duas horas de
antecedência meu marido não podia adivinhar que perderia a barca! Aqui há
coisa.
* * *
Naquele dia o marido não apareceu em Petrópolis, e no dia
imediato, quando a senhora lhe pediu
uma explicação, ele
não se atreveu
a dizer-lhe que
o progresso agora era tal que os telegramas chegavam ao seu destino
antes de mandados, ou que houvesse duas horas de diferença entre o meridiano do
Rio de Janeiro e o de Petrópolis.
João Saraiva deu a D. Senhorinha uma razão esfarrapada, que ela
fingiu aceitar, e na manhã seguinte entrou furioso no escritório, dirigindo-se
imediatamente a um dos empregados.
- Ó seu Barros, a que horas você passou anteontem aquele
telegrama?
- Logo que o senhor m'o deu.
- Fê-la bonita! Pode limpar
a mão à parede! Pois eu não lhe disse que
só o passasse depois das 4 horas?
- Disse, disse; mas como tive que ir lá para os lados do
Telégrafo, julguei que não houvesse inconveniente.
- Ora valha-o
Deus, seu Barros!
Você deu cabo
da minha tranqüilidade doméstica.
* * *
D. Senhorinha desceu imediatamente de Petrópolis e nunca mais quis
saber de vilegiaturas, receando que o marido continuasse a perder a barca.
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"BARCA"
Há maridos e
mulheres, dizem as
más línguas, que
passam o verão
em Petrópolis para fazer das suas à vontade. Não sei se é isso exato
quanto às mulheres; quanto aos maridos, tenho certeza de que o é.
D. Senhorinha, esposa
exemplar, exemplaríssima, era
casada com um negociante rico, o João Saraiva, que
todos os anos, em fins de novembro, dava com ela em Petrópolis até abril, sob
pretexto de que a cidade do Rio de Janeiro se tornava inabitável durante a
canícula.
O que ele queria era estar como o boi solto que, segundo o rifão,
se lambe todo. Havia na Rua
do Riachuelo uma
francesa que lhe
dava volta ao
miolo e constantemente o
obrigava a perder a barca.
Nessas ocasiões, D.
Senhorinha recebia sempre um telegrama, e acreditava, coitada, porque tinha a mais
cega confiança no marido, e sabia que ele era muito ocupado. Por fim, João
Saraiva tantas e tão repetidas vezes perdia a barca, por este ou
aquele motivo, que
marido e mulher
resolveram adotar uma
palavra convencional para cada vez que isso acontecesse. Adotaram a
palavra "barca".
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Uma vez, D. Senhorinha, ali por volta das 2 horas da tarde,
bocejava na sua solidão petropolitana, quando lhe levaram um telegrama.
Ela abriu-o um pouco sobressaltada, pois o marido não
costumava telegrafar àquela
hora, e qual
não foi a
sua surpresa vendo
que o telegrama
dizia simplesmente: "Barca".
- Não pode ser! pensou D. Senhorinha. A barca sai da Prainha às 4
horas e são apenas 2! Com duas horas de
antecedência meu marido não podia adivinhar que perderia a barca! Aqui há
coisa.
* * *
Naquele dia o marido não apareceu em Petrópolis, e no dia
imediato, quando a senhora lhe pediu
uma explicação, ele
não se atreveu
a dizer-lhe que
o progresso agora era tal que os telegramas chegavam ao seu destino
antes de mandados, ou que houvesse duas horas de diferença entre o meridiano do
Rio de Janeiro e o de Petrópolis.
João Saraiva deu a D. Senhorinha uma razão esfarrapada, que ela
fingiu aceitar, e na manhã seguinte entrou furioso no escritório, dirigindo-se
imediatamente a um dos empregados.
- Ó seu Barros, a que horas você passou anteontem aquele
telegrama?
- Logo que o senhor m'o deu.
- Fê-la bonita! Pode limpar
a mão à parede! Pois eu não lhe disse que
só o passasse depois das 4 horas?
- Disse, disse; mas como tive que ir lá para os lados do
Telégrafo, julguei que não houvesse inconveniente.
- Ora valha-o
Deus, seu Barros!
Você deu cabo
da minha tranqüilidade doméstica.
* * *
D. Senhorinha desceu imediatamente de Petrópolis e nunca mais quis
saber de vilegiaturas, receando que o marido continuasse a perder a barca.
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