A VIÚVA DO ESTANISLAU
Por ocasião da morte do marido, aquele pobre Estanislau, que,
depois de uma luta horrível, foi afinal vencido pela tuberculose, Adelaide
parecia que ia também morrer.
Dizia-se que ela
amava tanto o
marido, que fizera
o possível para contrair a moléstia que o matou e
acompanhá-lo de perto no túmulo. Emagreceu a olhos vistos, e toda a gente
contava que, mais dia menos dia, Deus lhe fizesse a vontade; mas o tempo, que
tudo suaviza e repara, foi mais forte que a dor, e ano e meio depois de enviuvar, Adelaide estava rubicunda e
linda como não estivera jamais.
O Estanislau deixou-a paupérrima. O pobre rapaz não contava
arrumar a trouxa tão cedo, ou, por outra, não teve com que preparar o futuro.
Enquanto viveu, nada faltou em
casa; depois que
ele morreu, tudo
faltou, e Adelaide,
que felizmente não tinha filhos, aceitou a hospitalidade que lhe
ofereceram seus pais.
- Vem outra vez para o nosso lado, disseram-lhe os velhos; façamos
de conta que te não casaste.
Não tardou muito
que aparecesse um
namorado à viúva.
Era um excelente moço, o
Miranda, que freqüentava
a casa dos
velhos por ser
funcionário da mesma secretaria
onde o pai de Adelaide era chefe.
Foi com muita satisfação que este notou a simpatia que o Miranda
manifestava pela moça, e pulou de contente quando o rapaz, um dia, na
repartição, se abriu com ele, dizendo-lhe
que ser seu
genro era o
que mais ambicionava
neste mundo.
O velho foi para casa alegre como um passarinho, e disse tudo à
mulher.
- Sabes, Henriqueta? O Miranda confessou-me hoje que gosta da
Adelaide e quer casar-se com
ela. Estou satisfeitíssimo, porque
nossa filha não
poderia encontrar melhor marido! Que me dizes?
- Digo que seu Miranda é uma sorte grande, mas duvido que Adelaide
aceite.
- Duvidas, por quê?
- Porque ela só pensa no Estanislau: é uma viúva inconsolável.
Engordou, tomou cores, goza saúde, mas aposto que não admite que lhe falem
noutro casamento.
- Deixe-a comigo; vou sondá-la.
O velho sondou-a, efetivamente, e reconheceu que D. Henriqueta calculava
bem.
- Não me fale em casamento, papai! Eu considerar-me-ia uma mulher
indigna se desse um substituto ao meu pobre Estanislau!
Mas o velho que não era peco, não se deixou vencer e insistiu,
lançando mão de quanto argumento lhe sugeriu a sua longa experiência do mundo.
- Minha filha, numa terra de maldizentes como este Rio de Janeiro,
a reputação de uma viúva moça e bonita corre tantos perigos, que a melhor
resolução que tens a tomar,
para fazer respeitar
a memória honrada
do teu Estanislau,
é casares-te em segundas
núpcias. Uma única dificuldade
haveria para isso: o marido; mas neste
particular, minha filha, foste de uma fortuna fenomenal. O Miranda
caiu-te do céu!
Olha, eu, se
tivesse que escolher
um genro, não escolheria outro -, e tu, se te casares
com ele, darás muito prazer a tua mãe, e tornarás feliz a minha velhice.
Essas palavras, que
acabaram molhadas de
lágrimas de enternecimento, calaram no ânimo de
Adelaide, e na mesma noite, como a família se achasse reunida na
sala de jantar,
e o Miranda
presente, ela dirigiu-se
a este nos seguintes termos:
- Meu amigo, sei que o senhor gosta muito de mim e deseja ser meu
marido; sei que o nosso casamento daria muita satisfação a meus pais; mas devo
dizer-lhe que ainda amo o Estanislau como se ele estivesse vivo, e não posso
amar dois homens ao mesmo tempo.
Os velhos morderam
os beiços; o
Miranda remexeu-se na
cadeira, sem responder.
- Sei também que o senhor é um perfeito cavalheiro e que nada lhe
falta para ser um marido ideal; aprecio o seu caráter, a sua bondade, a sua
inteligência; mas, se nos casarmos, não poderei levar-lhe o sentimento que todo
o homem tem o direito de exigir no coração
da sua noiva. Se depois desta
declaração leal e honesta, persiste em
querer ser meu esposo, aqui tem a minha mão.
- Aceito-a! respondeu prontamente o Miranda, tomando a mão que lhe
estendeu Adelaide. Aceito-a, porque - perdoe a minha vaidade - tenho alguma
confiança no meu merecimento, e espero conquistar o seu amor!
Casaram-se, e hoje, que estão unidos há um ano, podem gabar-se -
ela de ter tido verdadeiras surpresas fisiológicas, e ele de ser amado como o
Estanislau nunca o foi.
- Es então feliz, minha filha?
- Muito feliz, mamãe; o Miranda é tão bom marido, que, lá no outro
mundo, o Estanislau, se meteu a mão na consciência, com certeza me perdoou.
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Nota:
Texto-fonte: Arthur Azevedo: Contos Diversos. Data não identificada
Texto-fonte: Arthur Azevedo: Contos Diversos. Data não identificada
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