domingo, 31 de março de 2013

Artur de Azevedo: "A Viúva de Estanislau"

A VIÚVA DO ESTANISLAU 


Por ocasião da morte do marido, aquele pobre Estanislau, que, depois de uma luta horrível, foi afinal vencido pela tuberculose, Adelaide parecia que ia também morrer.   Dizia-se   que   ela   amava   tanto   o   marido,   que   fizera   o   possível   para contrair a moléstia que o matou e acompanhá-lo de perto no túmulo. Emagreceu a olhos vistos, e toda a gente contava que, mais dia menos dia, Deus lhe fizesse a vontade; mas o tempo, que tudo suaviza e repara, foi mais forte que a dor, e ano e meio depois  de enviuvar, Adelaide estava rubicunda e linda  como não estivera jamais.

O Estanislau deixou-a paupérrima. O pobre rapaz não contava arrumar a trouxa tão cedo, ou, por outra, não teve com que preparar o futuro. Enquanto viveu, nada   faltou   em   casa;   depois   que   ele   morreu,   tudo   faltou,   e   Adelaide,   que felizmente não tinha filhos, aceitou a hospitalidade que lhe ofereceram seus pais.

- Vem outra vez para o nosso lado, disseram-lhe os velhos; façamos de conta que te não casaste.

Não   tardou   muito   que   aparecesse   um   namorado   à   viúva.   Era   um   excelente moço,   o   Miranda,   que   freqüentava   a  casa  dos   velhos   por  ser   funcionário   da mesma secretaria onde o pai de Adelaide era chefe.

Foi com muita satisfação que este notou a simpatia que o Miranda manifestava pela moça, e pulou de contente quando o rapaz, um dia, na repartição, se abriu com   ele,   dizendo-lhe   que   ser   seu   genro   era   o   que   mais   ambicionava   neste mundo.

O velho foi para casa alegre como um passarinho, e disse tudo à mulher.

- Sabes, Henriqueta? O Miranda confessou-me hoje que gosta da Adelaide e quer  casar-se   com   ela.   Estou   satisfeitíssimo,   porque   nossa   filha   não   poderia encontrar melhor marido! Que me dizes?

- Digo que seu Miranda é uma sorte grande, mas duvido que Adelaide aceite.

- Duvidas, por quê?

- Porque ela só pensa no Estanislau: é uma viúva inconsolável. Engordou, tomou cores, goza saúde, mas aposto que não admite que lhe falem noutro casamento.

- Deixe-a comigo; vou sondá-la.

O velho sondou-a, efetivamente, e reconheceu que D. Henriqueta calculava bem.

- Não me fale em casamento, papai! Eu considerar-me-ia uma mulher indigna se desse um substituto ao meu pobre Estanislau!

Mas o velho que não era peco, não se deixou vencer e insistiu, lançando mão de quanto argumento lhe sugeriu a sua longa experiência do mundo.

- Minha filha, numa terra de maldizentes como este Rio de Janeiro, a reputação de uma viúva moça e bonita corre tantos perigos, que a melhor resolução que tens   a   tomar,   para   fazer   respeitar   a   memória   honrada   do   teu   Estanislau,   é casares-te em segundas  núpcias.  Uma única dificuldade haveria para isso:  o marido; mas neste particular, minha filha, foste de uma fortuna fenomenal.  O Miranda   caiu-te   do   céu!   Olha,   eu,   se   tivesse   que   escolher   um   genro,   não escolheria outro -, e tu, se te casares com ele, darás muito prazer a tua mãe, e tornarás feliz a minha velhice.

Essas   palavras,   que   acabaram   molhadas   de   lágrimas   de   enternecimento, calaram no ânimo de Adelaide, e na mesma noite, como a família se achasse reunida   na   sala   de   jantar,   e   o   Miranda   presente,   ela   dirigiu-se   a   este   nos seguintes termos:

- Meu amigo, sei que o senhor gosta muito de mim e deseja ser meu marido; sei que o nosso casamento daria muita satisfação a meus pais; mas devo dizer-lhe que ainda amo o Estanislau como se ele estivesse vivo, e não posso amar dois homens ao mesmo tempo.

Os   velhos   morderam   os   beiços;   o   Miranda   remexeu-se   na   cadeira,   sem responder.

- Sei também que o senhor é um perfeito cavalheiro e que nada lhe falta para ser um marido ideal; aprecio o seu caráter, a sua bondade, a sua inteligência; mas, se nos casarmos, não poderei levar-lhe o sentimento que todo o homem tem o direito  de exigir  no coração  da sua noiva. Se depois  desta declaração  leal e honesta, persiste em querer ser meu esposo, aqui tem a minha mão.

- Aceito-a! respondeu prontamente o Miranda, tomando a mão que lhe estendeu Adelaide. Aceito-a, porque - perdoe a minha vaidade - tenho alguma confiança no meu merecimento, e espero conquistar o seu amor!

Casaram-se, e hoje, que estão unidos há um ano, podem gabar-se - ela de ter tido verdadeiras surpresas fisiológicas, e ele de ser amado como o Estanislau nunca o foi.

- Es então feliz, minha filha?

- Muito feliz, mamãe; o Miranda é tão bom marido, que, lá no outro mundo, o Estanislau, se meteu a mão na consciência, com certeza me perdoou.


---
Nota:
Texto-fonte: Arthur Azevedo: Contos Diversos. Data não identificada

Nenhum comentário:

Postar um comentário