
UMA LOUREIRA
CAPÍTULO
PRIMEIRO
Havia
grande agitação em casa do comendador Nunes, em certa noite de abril de 1860.
Não era
comendador o Sr. Nicolau Nunes, era apenas oficial da Ordem da Rosa, mas todos lhe davam o título de comendador, e o
Sr. Nunes não resistia a esta deliciosa falsificação.
A princípio reclamou sorrindo contra a liberdade dos amigos, que desta maneira emendaram a parcimônia do governo. Mas
os amigos insistiam no tratamento, e até hoje ainda se não descobriu o meio de
recusarmos uma coisa que desejamos do fundo
d’alma. Ora, o Sr. Nunes desejava do fundo d’alma ser comendador, e quando falou
ao seu compadre, o conselheiro F., foi com a mira na comenda. O conselheiro empenhou-se com o ministro, e este apenas
consentiu em dar o hábito ao Sr. Nunes. Graças
aos empenhos, pôde o candidato obter o oficialato. Era ele um homem de 45 anos,
um tanto calvo, bem apessoado, nariz não vulgar, se atendermos no tamanho, mas vulgaríssimo se lhe
estudarmos a expressão. O nariz é um livro,
até hoje pouco estudado pelos romancistas, que aliás se presumem grandes analistas
da pessoa humana. Eu, quando vejo alguém pela primeira vez, não lhe estudo a boca nem os olhos, nem as mãos; estudo-lhe o
nariz. Mostra-me o nariz, e eu direi quem és. O nariz do comendador Nunes era a
coisa mais vulgar deste mundo; não exprimia coisa nenhuma de jeito, nem de elevação. Era um
promontório, nada mais. E, todavia, o comendador Nunes tirava grande vaidade do
nariz, por lhe haver dito um sobrinho que era nariz romano. Havia, é verdade,
uma corcova no meio da extensa linha nasal do comendador Nunes, e naturalmente
foi por zombaria que o sobrinho chamou àquilo romano. A corcova era um acervo
de protuberâncias irregulares e impossíveis. Em suma, podia-se
dizer que a cara do comendador Nunes era composta de dois Estados divididos por
uma cordilheira extensa. Fora destas circunstâncias nasais, nada havia que
dizer da pessoa do comendador Nunes. Era
boa figura e boa alma.
Dizer
quais eram os seus meios de vida, e o seu passado, importa pouco para a nossa história. Basta dizer que se quisesse deixar
de trabalhar, já tinha que comer, e deixar aos filhos, e à esposa.
A esposa
do comendador Nunes era uma rechonchuda senhora de 46 anos, relativamente fresca,
pouco amiga de brilhar fora de casa, e toda dada aos cuidados do governo doméstico. O seu casamento com o comendador
Nunes foi feito contra a vontade do pai, pela razão de que, nesse tempo, Nunes
não tinha vintém. Mas o pai era boa alma, e apenas soube que o genro ia fazendo fortuna,
fez as pazes com a filha. Morreu nos braços de ambos. Amaram-se muito os dois esposos, e os frutos
desse amor foram nada menos de dez filhos, dos quais apenas escaparam três,
Luísa, Nicolau e Pedrinho.
Nicolau
tinha 20 anos, Pedrinho 7, e apesar desta notável diferença de idade não se
pode dizer quem tinha mais juízo, se Pedrinho, se Nicolau.
Desejoso
de o ver em boa posição literária, Nunes mandara o filho passar alguns anos na Academia de São Paulo, e realmente ele os
passou ali, até obter uma carta de bacharel. O diploma dado ao jovem Nicolau podia fazer
crer que ele de fato sabia alguma coisa; mas era completa ilusão. Nicolau saiu
sabendo pouco mais ou menos o que sabia antes de lá entrar.
Em
compensação, ninguém era mais versado no esticado das luvas, no talhado da casaca, no apertado da bota, e outras coisas
assim, em que Nicolau era mais que bacharel, era doutor de borla e capelo.
Luísa
tinha 18 anos, e podia-se dizer que era a flor da família. Baixinha e delgada,
um tanto pálida e morena, Luísa inspirava facilmente simpatia, e mais do que
simpatia a quem a visse pela primeira vez. Vestia bem, mas aborrecia o luxo.
Tocava piano, mas aborrecia a música. Alguns caprichos tinha que, à primeira
vista, poderiam desagradar à gente, mas,
bem pesadas as coisas, as suas qualidades venciam os caprichos; o que era uma grande compensação. D. Feliciana tinha na
filha todas as suas esperanças de imortalidade. Dizia ela que a sua ascendência
era uma linha não interrompida de donas-de-casa. Queria que a filha fosse uma digna descendente de tão preclaro sangue,
e continuasse a tradição que recebera. Luísa dava esperança disso.
Tal era a
família Nunes.
CAPÍTULO II
Como ia
dizendo, grande era a agitação em casa do comendador Nunes em certa noite de abril de 1860.
A causa
desta agitação era nada menos que a apresentação de um rapaz, recentemente chegado
do Norte, parente remoto dos Nunes e indigitado noivo da menina Luísa.
Chamava-se
Alberto o rapaz, e tinha seus 27 anos feitos. A natureza o dotara de uma excelente
figura e de um bom coração. Não escrevi à toa estes qualificativos; o coração de Alberto era bom, mas a figura era muito
melhor.
O pai do
candidato escrevera dois meses antes ao comendador Nunes uma carta em que lhe anunciava a vinda do filho, aludia às
conversas que tiveram ambos os velhos acerca do enlace matrimonial dos pequenos.
O
comendador recebeu esta carta logo depois do jantar, e não a leu, porque era
regra sua não ler nada depois do jantar,
sob pretexto de que lhe perturbaria a digestão.
Pedrinho,
que tinha tanto juízo como o irmão bacharel, achou a carta em cima da mesa, fê-la em pedaços para arranjar canoas de papel
e armar assim uma esquadra dentro de uma bacia. Quando deram por esta
travessura três quartas partes da carta já estavam em nada, porque o pequeno
vendo que alguns navios não navegavam bem, de todo os destruiu. Os pedaços que ficaram eram apenas palavras
soltas, e com algum sentido... mas que sentido!
Só restavam palavras vagas e terríveis: teus... amores... Luísa... ele... flor
em botão... lembras-te?
Quando a
senhora D. Feliciana leu essas perguntas misteriosas sentiu que o sangue lhe subia todo ao coração, e depois à cabeça;
estava iminente um ataque apoplético. Acalmou-se felizmente, mas ninguém pôde
estancar-lhe as lágrimas.
Durante o
longo tempo de casado nunca a senhora D. Feliciana duvidara uma vez sequer do
marido, que aliás foi sempre o mais refinado hipócrita que o diabo mandou a
este mundo. Aquele golpe, no fim de
tantos anos, foi tremendo. Debalde o comendador Nunes alegava que de fragmentos
nenhum sentido se poderia tirar, a esposa ofendida persistia nas recriminações
e repetia as palavras soltas da carta. —
Queridinha, disse o comendador, esperemos outra carta, e tu verás a minha
inocência mais pura que a de uma criança de berço.
— Ingrato!
—
Feliciana!
— Vai-te,
monstro!
— Mas,
minha filha...
— Flor em
botão!
— É uma
frase vaga.
— Teus
amores!...
— Duas
palavras soltas; pode ser que ele quisesse dizer. “Como vão os teus filhos,
esses dois amores.” Já vês...
—
Lembras-te?
— Que tem
isso? Que há nessa palavra que possa encerrar um crime?
— Ele!
E nisto
passaram longas horas e longos dias.
Afinal,
Feliciana se foi acalmando com o tempo, e ao cabo de um mês veio nova carta do pai de Alberto dizendo que impreterivelmente o
rapaz estava aqui daí a um mês.
Por
felicidade do comendador Nunes, o pai do noivo não tinha a musa fértil, e a
segunda carta era mais ou menos do mesmo teor da primeira, e a senhora D.
Feliciana, já convencida, esqueceu
completamente os rigores do marido.
Comunicada
a notícia ao objeto dela, que era a menina Luísa, nenhuma objeção fez esta ao casamento, e disse que estaria por tudo o
que o pai quisesse.
— Isso
não, disse o comendador, eu não te obrigo a casar com ele. Se gostares do
rapaz, serás sua esposa; no caso contrário, fá-lo-ei voltar com as mãos
abanando.
— Hei de
gostar, respondeu Luísa.
— Tens
algum namoro? perguntou Nunes com alguma hesitação.
— Nenhum.
Suspeitando
que podia haver alguma coisa, que a menina não ousaria confiar-lhe, Nunes incumbiu a mulher de sondar o coração da
pequena.
Revestiu-se
a senhora D. Feliciana daquela meiga severidade, que tanto quadrava com o seu caráter, e interrogou francamente a filha.
— Luísa,
disse ela, eu fui feliz no meu casamento porque amei muito teu pai. Só há uma coisa
que faça uma noiva feliz, é o amor. O que é amor, Luísa?
— Não sei,
mamãe.
Feliciana
suspirou.
— Não
sabes? disse ela.
— Não sei
— É
incrível!
— É
verdade.
— E serei
eu com os meus quarenta e seis anos, que te ensine o que é o amor? Estás
zombando
comigo. Nunca sentiste nada por algum rapaz?
Luísa
hesitou.
— Ah!
disse a mãe, vejo que sentiste já.
— Senti
uma vez palpitar-me o coração, disse Luísa, ao ver um rapaz, que logo no dia seguinte me escreveu uma carta...
— E tu respondeste?
—
Respondi.
—
Desgraçada! Nunca se respondem a estas cartas sem ter certeza das intenções do autor delas. Teu pai... Mas deixemos isto.
Respondeste só uma vez?...
— Respondi
vinte e cinco vezes.
— Jesus!
— Mas ele
casou com outra, segundo soube depois...
— Aí está.
Vê que imprudência...
— Mas nós
trocamos as cartas.
— Foi só
esse, não?
— Depois
veio outro...
D.
Feliciana pôs as mãos na cabeça.
— A esse
escrevi só quinze.
— Só
quinze! E veio mais outro?
— Foi o
último.
— Quantas?
— Trinta e
sete.
— Santo
Nome de Jesus!
D.
Feliciana estava louca de surpresa. Luísa, a muito custo conseguiu acalmá-la.
— Mas em
suma, disse a boa mãe, ao menos agora não amas nenhum?
— Agora
nenhum.
D.
Feliciana respirou, e foi tranqüilizar o marido acerca do coração da filha.
Luísa contemplou a mãe com verdadeiro
amor, e foi para o quarto responder à quinta carta do alferes Coutinho, amigo íntimo do bacharel
Nunes.
CAPÍTULO III
Repito, e
agora será a última vez, grande era a agitação em casa do comendador Nunes nesta noite de abril de 1860.
Luísa já
estava vestida de ponto em branco e encostada à janela conversava com uma amiga que morava na vizinhança e costumava ir
lá tomar chá com a família.
D.
Feliciana, também preparada, dava as ordens convenientes para que o futuro
genro recebesse uma boa impressão quando lá chegasse.
O
comendador Nunes estava fora; o paquete do Norte havia chegado perto das ave-marias,
e o comendador foi a bordo receber o viajante. Acompanhava-o Nicolau. Quanto a
Pedrinho, travesso como um milhão de diabos, ora puxava o vestido da irmã, ora tocava tambor no chapéu do Vaz (pai da amiga
de Luísa), ora surripiava um doce.
O Sr. Vaz,
a cada travessura do pequeno, ria com aquele riso amarelo de quem não acha graça nenhuma; e por duas vezes esteve tentado
a dar-lhe um beliscão. Luísa não reparava no irmão, tão entretida estava nas
suas confidências amorosas com a filha do Vaz.
— Mas você
está disposta a casar com esse sujeito a quem não conhece? perguntava a filha
do Vaz a Luísa, encostadas ambas à janela.
— Ora
Chiquinha, você parece tola, respondia Luísa. Eu disse que casava, mas isso depende das circunstâncias. O Coutinho pode
roer-me a corda como já roeu à Amélia, e não é bom ficar desprevenida. Além disso,
pode ser que o Alberto me agrade mais.
— Mais do
que o Coutinho?
— Sim.
— É
impossível.
— Quem
sabe? Eu gosto de Coutinho, mas estou certa de que ele não é a flor de todos os
homens. Pode haver outros mais bonitos...
— Isso há,
concordou maliciosamente a Chiquinha.
— Por
exemplo, o Antonico.
Chiquinha
fez um sinal afirmativo.
— Como vai
ele?
— Está
bom. Pediu-me uma trança de cabelos anteontem...
— Sim!
— E eu
respondi que depois, quando estivesse mais certa de seu amor.
Neste ponto
do diálogo, o Vaz que estava na sala fungou uma pitada. Luísa reparou que era
feio deixá-lo só, e saíram ambas da janela.
Entretanto,
a senhora D. Feliciana dera as últimas ordens e veio para a sala. Bateram sete
horas, e o viajante não aparecia. A esposa do comendador Nunes estava ansiosa
por ver o genro, e a futura noiva sentia
uma coisa que se parecia com a curiosidade. Chiquinha fazia os seus cálculos. — Se ela não
o quiser, pensava esta dócil criatura, e se ele me agradar sacrifico o Antonico.
Vinte
minutos depois houve um rumor na escada, e D. Feliciana correu ao patamar para receber o candidato.
Entraram
efetivamente na sala os três personagens esperados, o Nunes, o filho e Alberto.
Todos os olhos se cravaram neste, e
durante dois minutos, ninguém viu mais ninguém na sala.
Alberto
compreendeu facilmente que era objeto da atenção geral, e não se perturbou. Pelo
contrário, subiram-lhe à cabeça uns fumos de soberba, e esta boa impressão lhe desatou a língua e deu livre curso aos cumprimentos.
Era um
rapaz como qualquer outro. Apresentava-se bem, e não falava mal. Nada tinha em
suas feições que
fosse notável, exceto
um certo modo
de olhar quando
alguém lhe falava, um certo ar de impaciência. Isto mesmo
ninguém lho notou então, nem depois naquela casa. Passaremos por alto as
primeiras horas da conversa, que foram empregadas em narrar a viagem, a referir
as notícias que mais ou menos podiam interessar às duas famílias.
Às 10
horas vieram dizer que o chá estava na mesa, e não era chá, e sim uma
esplêndida ceia preparada com o esmero dos grandes dias. Alberto deu o braço a
D. Feliciana, que já estava cativa das maneiras dele, e todos se encaminharam
para a sala de jantar. A situação
daquelas diferentes pessoas já estava muito modificada; a ceia acabou por estabelecer
entre Alberto e os outros uma discreta familiaridade.
Entretanto,
apesar da extrema amabilidade do rapaz, parecia que Luísa não estava contente.
O comendador Nunes sondava com os olhos a fisionomia da filha, e estava inquieto por não ver nela o menor vestígio de
alegria. Feliciana toda enlevada nos modos e palavras de Alberto não dera fé daquela
circunstância, ao passo que Chiquinha, descobrindo
no rosto de Luísa uns sinais de despeito, parecia alegrar-se com isto, e sorrir-lhe a idéia de sacrificar desta vez o
Antonico. Reparava nestas coisas o Alberto? Não. A preocupação principal do
candidato, durante a ceia, era a ceia, e nada mais. Outras qualidades podiam
faltar ao rapaz, mas uma já lhe
notava o
pai da Chiquinha: a voracidade.
Alberto
era capaz de comer a ração de um regimento.
Vaz
reparou nesta circunstância, como já tinha reparado em outras. Nem parece que o
pai de Chiquinha viesse a este mundo para outra coisa. Tinha olho fino e língua
afiada. Ninguém podia escapar ao seu
terrível binóculo.
Alberto
tinha deixado a mala em um hotel onde alugou sala e quarto. O comendador, não desejando que o rapaz se sacrificasse mais
aquela noite, que pedia descanso, pediu a Alberto que não fizesse cerimônia, e apenas
julgasse que eram horas se fosse embora.
Alberto,
entretanto, parecia disposto a não usar tão cedo da faculdade que lhe dava Nunes.
Amável, conversado e prendado, o nosso Alberto entreteve a família até muito tarde;
mas por fim saiu, com grande pena de D. Feliciana e grande satisfação de Luísa.
Por que
motivo esta satisfação? Tal era a pergunta que a si mesmo fazia o comendador quando Alberto se retirara.
— Sabes
que mais, Feliciana? disse o Nunes apenas se achou no quarto com a mulher, creio
que a rapariga não simpatizou com o Alberto.
— Não?
— Não
tirei os olhos dela, e posso afiançar que parecia extremamente aborrecida.
— Pode
ser, observou D. Feliciana, mas isso não é uma razão.
— Não é?
— Não é.
Nunes
abanou a cabeça.
— Raras
vezes se pode vir a gostar de uma pessoa de que se não gostou logo, disse ele sentenciosamente.
— Oh! isso
não! respondeu logo a mulher, também eu quando te vi antipatizei solenemente
contigo, e entretanto...
— Sim, mas
isso é raro.
— Menos do
que pensas.
Houve um
silêncio.
— E
contudo este casamento era muito do meu agrado, suspirou o marido.
— Deixa
estar que eu arranjo tudo.
Com estas
palavras de D. Feliciana terminou a conversa.
CAPÍTULO IV
Qual era a
causa da tristeza ou aborrecimento de Luísa?
Quem a
adivinhou foi Chiquinha. A causa foi um despeito de moça bonita. Alberto era amável
demais, amável com todos, olhando para ela com a mesma indiferença com que olhava para as outras pessoas.
Luísa não
queria ser olhada assim.
Imaginava
ela que um rapaz, que fizera uma viagem para vir apresentar-se candidato à sua
mão, devia prestar-lhe alguma homenagem, em vez de a tratar com a mesma delicadeza
que dispensava aos outros.
No dia
seguinte estas impressões de Luísa estavam mais dissipadas. O sono foi a causa disso, e também a reflexão.
— Talvez
que ele não ousasse... pensava ela.
E esperou
que ele lá fosse nesse dia.
Pouco
depois do almoço recebeu Luísa uma carta do alferes Coutinho. O namorado já tinha notícia do pretendente, e escrevera a
epístola meio lacrimosa, meio ameaçadora. Era notável o seguinte período:
... Podes,
mulher ingrata, calcar a teus pés o meu coração, cujo crime foi amar-te com
todas as suas forças, e palpitar por ti a todas as horas!... Mas o que tu não podes, o que ninguém poderia nem
Deus, é fazer com que eu te não ame agora e sempre, e até debaixo da fria
campa!... E um amor destes merece
desprezo, Luísa?... A epístola do alferes impressionou a moça.
— Este
ama-me, pensava ela, e o outro!...
O outro
chegou pouco depois, já reformado na roupa, já mais cortesão com a moça. Um quarto
de hora bastou para que Luísa modificasse a sua opinião a respeito do rapaz.
Alberto
aproveitou as liberdades que lhe davam com ela para lhe dizer que a achava mais
bela do que a sua imaginação sonhara.
— E de
ordinário, acrescentou ele, a nossa imaginação nos ilude. Se desta vez estive abaixo
da realidade, a causa disto é que a sua beleza está além da imaginação humana.
Neste
sentido fez o noivo um discurso obscuro, oco e mal alinhavado, que ela ouviu
com delícias.
— Veio de
tão longe para zombar de mim? perguntou ela.
— Zombar!
disse Alberto ficando sério.
— Oh!
perdão, disse ela, eu não queria ofendê-lo; mas creio que isso só por zombaria
se poderia dizer...
— Oh!
nunca! exclamou Alberto apertando docemente a mão de Luísa.
O
comendador surpreendeu esta cena, e a sua alegria não conheceu limites. Todavia
era conveniente dissimulá-la, e assim o fez.
— Tudo
caminha bem, dizia ele consigo. O rapaz não é peco.
E não era.
Nessa mesma tarde perguntou ele a Luísa se queria aceitá-lo por esposo. A moça
não contava com esta pergunta à queima-roupa e não soube que lhe responder.
— Não
quer? perguntou o rapaz.
— Eu não
disse isso.
— Mas
responda.
— Isso é
com meu pai.
— Com seu
pai? perguntou Alberto espantado; mas ele governa então o seu coração?...
Luísa nada
respondeu, nem podia responder. Houve um longo silêncio; Alberto foi o primeiro
que falou.
— Então,
disse ele; que me responde?
— Deixe-me
refletir.
Alberto
fez uma careta.
—
Refletir? perguntou ele. Mas o amor é uma coisa e a reflexão é outra.
— É
verdade, respondeu a moça; e neste caso, deixe que eu o ame.
Não
contando com esta resposta, Alberto empalideceu, e viu bem que era uma espécie
de castigo que ela queria dar-lhe por causa da sua intempestiva reflexão.
Pareceu-lhe que fora esquisito falar de amor a uma moça a quem via pela
primeira vez. Luísa não se arrependeu da pequena lição dada ao pretendente, e
pareceu-lhe conveniente conservá-lo na incerteza durante alguns dias, a fim de
o castigar ainda mais.
Não
contava ela porém com o golpe que lhe preparava o alferes Coutinho.
Já sabemos
que este alferes era íntimo amigo de Nicolau. Várias vezes o filho de Nunes o convidara para ir à casa do pai; mas Coutinho
sempre recusara o convite delicadamente, e parece que o fazia justamente para se não
aproximar de Luísa.
Como?
É verdade.
Na opinião de Coutinho, o amor não vive só de mistério, vive também de distância.
A máxima
poderia ser excelente, mas no caso atual não prestava para nada. Coutinho compreendeu
isto perfeitamente, e com destreza conseguiu ser convidado nessa noite por Nicolau para lá ir.
De maneira
que, no meio de seus devaneios poéticos, ouvindo as narrações que Alberto fazia
diante da família encantada com o narrador, Luísa viu assomar à porta a figura
do irmão e a do alferes.
Luísa
reteve um grito.
Nicolau
apresentou o amigo a toda a família, e a conversa um pouco esfriou com a chegada
do novo personagem; mas não tardou que continuasse no mesmo tom.
Luísa não
ousava olhar para um nem para outro. Alberto nada percebeu nos primeiros momentos; mas Coutinho tinha os olhos cravados
nela com tanta insistência, que era impossível
não ver nele, senão um rival feliz, ao menos um pretendente resoluto.
— Veremos!
disse ele consigo.
— Quem
vencerá? perguntava a si mesmo o alferes Coutinho olhando a furto para o candidato do Norte.
CAPÍTULO V
Ao passo
que o Nunes e D. Feliciana se davam por felizes julgando bem encaminhadas as coisas,
e Chiquinha premeditava trocar o Antonico pelo Alberto, uma luta se tratava no espírito de Luísa.
Uma luta
neste caso era já probabilidade de vitória para Alberto, visto que o outro era
o namorado antigo, aceito e amado. O
coração de Luísa parecia feito para estas situações dúbias em que a vaidade de moça toma as
feições do amor, com tanta habilidade que ilude os mais.
Alberto
tinha qualidades brilhantes, ainda que não sólidas; mas Coutinho era já o namorado
aceito, e sempre deixava saudades.
Demais
Alberto era um bom casamento, mas a moça sentia que ele queria dominá-la depois,
e já pressentia nele alguns sintomas de vontade imperiosa; ao passo que o alferes,
exceto alguns rompantes sem conseqüência, era um verdadeiro paz d’alma.
Estas
razões pesava-as a moça no seu interior, e ora se inclinava a um, ora a outro
dos dois namorados.
Às vezes
adotava-os ambos, porque, ao mesmo tempo que trocava palavras de esperança com Alberto, escrevia cartas
apaixonadas ao alferes.
Nesta
situação decorreram alguns dias, sem que o comendador visse apontar no horizonte uma esperança. Ora a filha parecia
dada ao namoro do Alberto, ora a achava fria,
reservada, indisposta contra ele.
Alberto
compreendeu a figura que estava fazendo, e determinou dar um golpe definitivo.
Uma noite,
em que conversava com ela um pouco retirado dos outros, Alberto perguntou à
moça, quando ela menos esperava:
— Então?
Há longos dias espero uma resposta; confio que ma dará hoje.
Luísa não
respondeu logo, mas quando ia abrir a boca, interrompeu-a Alberto dizendo:
— Já sei a
causa da sua esquivança...
— Já sabe?
perguntou a moça rindo.
Alberto
fez com a cabeça um sinal afirmativo.
— Já sei,
acrescentou ele.
— E qual
é, não me dirá?
— A
senhora namora outro.
Luísa
ficou séria.
— Não se
zangue, continuou Alberto; eu sei que namora a outro, e desejava que de uma vez
por todas se decidisse ou por um ou por outro.
Luísa ia
responder ao rapaz, e já preparava uma dose de indignação necessária no caso, quando a aparição do comendador Nunes veio
interromper a cena.
Nunes
reparou no acanhamento dos dois, e ficou triste; mas não tardou que lhe
voltasse a alegria, ao ver as maneiras
afáveis com que ambos se tratavam em presença dele.
Tão
contente ficou que não hesitou em aludir ali mesmo ao projeto do casamento sem reparar
na inconveniência do caso.
Luísa não
combateu a idéia do pai nem também se mostrou solícita em aceitá-la; ouviu-o apenas.
Quando o
comendador ficou a sós com Alberto disse:
— Homem,
você parece-me palerma.
— Por quê?
— Ora,
porquê! Há tanto tempo para obter uma resposta. Não consegue fazer-se amar estando
só em campo.
— Eis o
seu engano.
— Como
assim?
Alberto
fez um gesto pedindo silêncio, e foram para o gabinete do comendador. Este fechou a porta e ambos ficaram a sós.
— Então,
que temos? perguntou Nunes.
— Há mouro
na costa, segredou Alberto.
— Então é
recente, porque até agora...
— Não, é
antigo.
— Antigo?
— Sim, já
existia antes da minha vinda.
Nunes ficou
aturdido com a notícia.
— E quem é
esse peralta? disse ele bufando de raiva.
— Não lho
posso dizer, respondeu discretamente o candidato.
O
comendador entrou a passear aflito, sem atender às rogativas de Alberto que lhe
recomendava silêncio.
— Vou
saber quem é, disse ele caminhando para a porta.
— Como?
perguntou Alberto.
— Vou
interrogar Luísa.
Alberto
travou-lhe do braço e fê-lo sentar.
— Meu caro
sogro, disse Alberto — chamo-lhe assim porque estou certo da vitória final — ,
não convém nunca proceder por meios violentos. Desde que alguma coisa possa dar
ao meu rival a auréola da perseguição
estou perdido. Deixe o negócio por minha conta.
Nunes
concordou com estas razões de Alberto e viu nelas o indício de uma grande cabeça.
Abraçou-o
e saiu a passeio.
CAPÍTULO VI
Nicolau,
que era um estouvado, nada compreendeu da situação em que se achava a irmã, e ignorava absolutamente o namoro do Coutinho,
porque este, conhecendo a leviandade do
amigo, nunca lhe confiou nada. Não acontecia, porém, o mesmo a um primo deles,
o jovem Gonçalves, filho de um irmão de
D. Feliciana, e chegado poucos dias antes de Minas, onde o pai tinha uma
fazendola.
Gonçalves
compreendeu logo que Alberto e Coutinho namoravam a prima Luísa, e que esta os
namorava a ambos.
Era tanto
mais de admirar que Gonçalves fizesse esta descoberta, quanto que dificilmente se
acharia outro mais papalvo que ele. Talvez por isso mesmo não procurasse Luísa
à vista dele encobrir o jogo que estava
fazendo.
Qualquer
que fosse a razão, Gonçalves descobriu a coisa e achou-a muito engraçada. Neste sentido fez uma alusão à prima.
— Prima,
disse ele, você é muito fina...
— Por quê?
inquiriu esta muito espevitada.
— Porque
acendeu vela a dois santos, respondeu Gonçalves tranqüilamente.
Luísa deu
de ombros e saiu.
Mas desde
esse dia tratou de se não expor aos olhos terríveis do sonso Gonçalves. E como pudesse acontecer que o Coutinho, fiado
na palermice de Gonçalves, não dissimulasse
convenientemente a sua chama, Luísa tratou de o avisar.
— Cuidado
com Gonçalves.
— Por quê?
— Pode
descobrir-nos.
— Ora, é
um tolo.
— Não, é
um sonso.
Alberto
não teve o benefício deste aviso; mas Luísa já lhe ia dando mais corda, e se
lhe não disse tão claramente como a
Coutinho o que pensava do primo Gonçalves, deu-o a entender.
A situação
de Alberto melhorara, mas não era ainda igual à de Coutinho. Se Luísa desse mostras de o desprezar era provável que o
candidato desistisse das suas pretensões; mas como ela aceitava em princípio a sua corte,
estava Alberto resolvido a pleitear a causa.
Além
disso, as cartas do pai eram instantes a respeito do assunto que o trouxera ao
Rio de Janeiro, e o próprio rapaz estava
ansioso por voltar à província natal.
Nestes
termos, lembrou-se de dar um golpe desusado, e próprio de romance: ir entender-se
com o rival.
O caso era
difícil; era necessário muito tino para não cair no ridículo. Convinha, porém, deslindar
a dificuldade e fugir ao prolongamento de uma situação insuportável para os dois
êmulos. Apenas assentou nisto foi
Alberto procurar Coutinho. Achou-o em casa. Como se conheciam da casa do comendador era-lhes fácil
disfarçar algum tanto a situação singular em que se achavam um para com o outro.
Coutinho,
além disso, posto parecesse impetuoso nos seus afetos, era-o ao menos nas suas cartas — tinha hábitos de sociedade e
sabia dissimular perfeitamente.
As
primeiras palavras foram indiferentes; Coutinho compreendeu, porém, que algum motivo trazia Alberto à casa dele, e esse
motivo não podia deixar de ser a pessoa e a mão de Luísa.
— Quererá
que eu lhe ceda as minhas vantagens mediante alguma partícula do dote? dizia
ele.
Pela sua
parte Alberto também reflexionava:
— Por onde
chegarei ao terrível assunto? O sujeito não me parece de boa avença. Vamos, coragem!
E de
repente, quando o Coutinho menos esperava, dispara-lhe em cheio esta pergunta:
— O senhor
ama D. Luísa?
Coutinho
estremeceu com a pergunta, posto houvesse percebido que a namorada era o assunto
exclusivo da visita. Durante alguns minutos não soube que responder.
Alberto
repetiu a pergunta.
Coutinho
tirou charutos da algibeira, ofereceu a Alberto, que o não aceitou, e enquanto
se preparava para acender outro, respondeu à pergunta com outra pergunta:
— E o
senhor também a ama?
— Porque o
hei de negar se o senhor o sabe, e porque o negará o senhor se eu o sei? respondeu Alberto.
— Nesse
caso, redargüiu Coutinho com finura, não foi para dizermos um ao outro aquilo que
ambos sabemos que o senhor cá veio.
— Não.
— Queira
falar.
— Agora
aceito o seu charuto, disse amigavelmente Alberto.
Acendeu o
charuto e começou a falar.
CAPÍTULO VII
— Quando
eu cheguei do
Norte, disse Alberto,
já o senhor
namorava a pessoa
em questão. Eu só o soube depois.
Antes, porém, de o saber, não pude ser insensível às graças daquela moça e
comecei a amá-la.
Coutinho
fez um ar de riso.
— De que
se ri? perguntou Alberto.
— De que
há de ser? disse Coutinho sacudindo a cinza do charuto; da sua discrição. O senhor veio justamente para casar com ela.
Alberto
mordeu o beiço.
— Não o
nego, disse ele, mas é tão pouco interessante para o nosso caso que fosse esse o fim da minha vinda, que o não quis dizer. Se
essa, porém, é a dúvida di-lo-ei francamente. Este casamento, antes de ser um
desejo do meu coração, era um desejo de nossas
famílias.
— Sem
consulta da pessoa em questão?
— Isto vai
além do objeto da minha visita. Não vim aqui para discutir com o senhor o acerto
de pessoas respeitáveis, que podem errar certamente, mas cujo fim é a
felicidade de seus filhos.
—
Desculpe-me, disse Coutinho; não queria magoá-lo nem ofendê-lo; continue e
sejamos breves.
Alberto
continuou:
— Ambos
respeitamos a pessoa de que se trata; nenhum de nós deseja outra coisa não seja
a felicidade dela. Estamos conformes?
Coutinho
fez um gesto afirmativo.
— Ora bem,
disse Alberto, de que se trata? De afiançar e apressar a felicidade dela, e para
isso é necessário que um de nós deixe o campo livre ao outro. Isto é o que
venho propor com toda a sinceridade de que sou capaz.
— Acho
excelente a sua proposta, respondeu Coutinho depois de alguns momentos de silêncio;
mas se me é dado comparar as palavras com as ações, cuido que não é proposta, mas uma ordem que me dá! Um de nós
deve abandonar o campo, diz o senhor. Se o senhor quisesse abandonar tê-lo-ia
feito sem me dizer nada; mas não é isso; o senhor vem ter comigo, declara que ama D.
Luísa e propõe que um de nós ceda o campo ao outro. Claro é que sou eu o condenado a ceder.
— O senhor não me deixou acabar, observou Alberto.
— Acabe.
— Eu não
desejo que um de nós se resolva desde já a deixar o campo; o que eu proponho é que cada um de nós procure saber se
tem elementos para se fazer eleger noivo
da moça de que se trata. Isto só pode saber apresentando cada um de nós o seu ultimatum. Ela escolherá em conformidade do seu coração e o vencido
retirar-se-á para as tendas. Leitor
desconfiado, não digas que isto é impossível; eu estou contando um fato
autêntico; e posto não esteja isto de
acordo com as regras da arte, eu conto o caso, como o caso
foi.
Coutinho
fez algumas objeções à proposta do rival. Alegou a primeira razão de todas, a singularidade da situação que se ia criar
entre ambos a respeito de uma moça, que ambos deviam respeitar.
— Não
esqueçamos que ela tem alguma coisa, disse ele, e isto pode parecer um jogo em que
o ganho consiste precisamente no dote de D. Luísa.
— Eu
também tenho alguma coisa, respondeu Alberto com altivez.
— Bem sei,
disse Coutinho, mas eu não tenho nada, e a meu respeito a objeção fica de pé.
Espero que me acredite que eu neste negócio não tenho em mim os bens daquele anjo, e que só o coração me arrasta sabe Deus
a que drama íntimo!
Se Alberto
fosse mais penetrante, ou Coutinho menos dissimulado, descobrir-se-ia que este pretexto de Coutinho era mais teatral que
verdadeiro. Amava sem dúvida a moça, mas
não a amaria talvez se não tivesse nada de seu.
Coutinho
expôs ainda outras objeções que a seu ver eram valiosas, mas todas as desfez Alberto
com algumas razões suas, e ao cabo de duas horas ficou assentado que os dois campeões mediriam as suas forças e procurariam
obter de D. Luísa a resposta decisiva. O preferido comunicaria logo ao outro o
resultado da campanha, e o outro abateria as armas.
— Mas que
prazo lhe parece melhor? perguntou Alberto.
— Quinze
dias, respondeu Coutinho.
Despediram-se.
CAPÍTULO VIII
O
comendador Nunes estava ansioso por falar à filha e resolver a crise por um
meio violento; mas Alberto fez com que ele prometesse neutralidade.
— Deixe
que eu arranjo tudo, disse o candidato do Norte.
— Mas...
— Fie-se
em mim. Disse alguma coisa à senhora D. Feliciana?
— Nada.
— Pois não
convém que ela saiba nada.
Entraram
os dois campeões na luta suprema. As condições eram aparentemente diversas, mas bem apreciadas eram iguais. Se Coutinho
não ia lá com tanta freqüência, em compensação
era o candidato para quem ela mais pendia; se Alberto tinha a facilidade de lhe falar mais vezes e estar mais assiduamente
com ela, em compensação era o menos aceito
dos dois. Coutinho tinha o recurso das cartas, e entrou a usar dele com todas
as forças. Nunca o vocabulário de Cupido subiu a maior grau de calor e
entusiasmo; Coutinho empregava todas as tintas da palheta: o cor-de-rosa da
felicidade conjugal, o sombrio e negro dos desesperos, o sangüíneo das revoluções
últimas; tudo fez o seu papel nas epístolas do pretendente fluminense.
Alberto
compreendeu que a epístola devia acompanhar os seus meios de campanha, e usou dela com descomunal liberalidade.
Luísa
ignorava todas as circunstâncias acima referidas, e o redobrar de esforços da
parte dos dois candidatos não fez mais
do que alimentar-lhe a natural vaidade de moça bonita.
Entretanto,
veio uma carta do pai de Alberto instante por uma resolução definitiva; Alberto
resolveu dar o grande golpe e dirigiu-se à esquiva moça.
— D.
Luísa, lhe disse ele, já sabe que eu ardo, que eu sinto dentro de mim um
terrível fogo que me há de consumir.
— Mas...
— Ouça-me.
Era meu interesse conservar as ilusões em vez de me expor a um desengano certo; mas há situações que não
comportam dúvidas; eu prefiro uma cruel franqueza;
farei depois o que me inspirar o desespero.
Luísa
sorria-se sem dizer palavra.
— Zomba
comigo, já vejo, disse melancolicamente Alberto.
— Oh! não!
— Então
fale!
— Pois
bem...
Hesitou.
— Diga,
ama-me? instou Alberto.
— Amo,
respondeu Luísa deitando a fugir.
O paraíso
de Maomé, com todas as delícias prometidas no Alcorão, não chega aos pés da felicidade que a simples resposta da moça
introduziu na alma do pobre candidato.
Alberto
saiu para a rua.
Precisava
de ar.
De tarde
foi ter com o rival.
— Enfim!
disse ele ao entrar.
— Que há?
perguntou Coutinho tranqüilamente.
— Tudo
está decidido, respondeu Alberto.
— Derrota?
— Vitória!
Perguntei-lhe se me amava; disse-me claramente que sim. Não pode imaginar o
prazer que eu senti quando ouvi de seus lábios a mais doce palavra que os
homens inventaram.
— Imagino
tanto mais esse prazer, redargüiu fleugmaticamente o Coutinho, quanto que eu
mesmo ouvi essa palavra a meu respeito.
Alberto
enfiou.
— Quando?
— Ontem de
noite.
— É
impossível! clamou Alberto furioso.
— E já
depois disso, continuou Coutinho finamente, recebi esta carta que é a
confirmação do que ontem lhe ouvi.
Dizendo
isto apresentou a Alberto uma carta de Luísa.
— De
maneira que... balbuciou Alberto.
— De
maneira que, concluiu Coutinho, estamos na situação em que nos achamos antes.
— Olhe, eu
teria deixado o campo se não me parecesse covardia, e se não sofresse horrivelmente com a separação, porque eu amo-a
com todas as forças de minha alma.
— Como eu,
disse Coutinho.
— Que
faremos? perguntou Alberto depois de uma pausa.
—
Insistir.
— Como?
— Cada um
de nós lhe perguntará se ela quer casar e nos escolhe para noivo. A isto não é possível que ela dê a mesma resposta a
ambos; há de decidir-se por um.
Dando este
conselho, Coutinho procedia velhacamente porque justamente alguns minutos antes
de entrar Alberto tinha mandado uma carta à moça perguntando se podia ir pedir-lhe
a mão ao pai, e esperava que a resposta chegasse logo e pusesse termo ao
conflito. Mas a resposta não veio.
Ficou
convencionado que dentro de oito dias tudo estaria resolvido, e um deles seria
o vencedor.
Luísa
disse à noite ao Coutinho que não mandara resposta à carta por não ter podido escrever.
— Mamãe
anda muito desconfiada, disse ela.
— Bem, mas
que me responde agora? perguntou Coutinho.
— Oh!
deixe-me escrever, disse a moça, eu quero dizer-lhe tudo o que sinto... espere,
sim?
Coutinho
declarou que esperava.
—
Contudo... disse ele.
— O quê?
— Se não
fosse agradável a resposta, se não fosse a vida que eu espero e me é necessária?
Isto era
ver se obtinha logo a resposta.
Luísa
respondeu:
— Não seja
desanimado...
— Então?
— Olhe,
mamãe que está com os olhos em mim.
Oito dias
se passaram nestas dúvidas até que os dois candidatos, por comum acordo, mandaram uma carta à moça, um verdadeiro ultimatum.
Era uma
sexta-feira, dia aziago, e além disso 13 do mês. Os míseros pretendentes não repararam
nisso, e atreveram-se a lutar com a fortuna em dia de tamanha desgraça.
Coutinho
foi então à casa de Alberto.
— Mandei a
minha carta, disse o fluminense.
— E eu a
minha.
—
Esperemos a resposta.
— Que lhe
parece? perguntou Alberto.
—
Parece-me... Não sei que me há de parecer, respondeu o Coutinho; eu tenho todas
as provas de ela me amar loucamente.
— Tanto
não digo eu, observou Alberto; loucamente não creio que me ame, mas cuido que sou amado.
O fim
evidente de cada um destes personagens era assustar o adversário, caso este ficasse vitorioso. Entraram a alegar cartas
apaixonadas, flores, tranças de cabelo, e o Coutinho chegou até a confessar um beijo na
mão.
De repente
abre-se a porta.
Entra o
comendador Nunes pálido e trêmulo.
— Que é
isto? disseram os dois.
Nunes
deixou-se cair em uma cadeira, e com a voz trêmula e o olhar desvairado, confessou a sua desgraça.
---
Nota:
Publicado originalmente em Jornal das Famílias, de 5/1872 a 6/1872. Disponível digitalmente no site: Domínio Público
Publicado originalmente em Jornal das Famílias, de 5/1872 a 6/1872. Disponível digitalmente no site: Domínio Público
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