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quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Adolfo Coelho: "História do Compadre Rico e do Compadre Pobre"

HISTÓRIA DO COMPADRE RICO E DO COMPADRE POBRE


Moravam numa aldeia dois compadres. Um era pobre e o outro rico, mas  muito miserável. Naquela terra era uso todos quantos matavam porco dar um lombo  ao abade. O compadre rico, que queria matar porco sem ter de dar o lombo,  lamentou-se ao pobre, dizendo mal de tal uso. Este deu-lhe de conselho que  matasse o porco e o dependurasse no quintal, recolhendo-o de madrugada,   para  depois dizer que lho tinham roubado.

Ficou muito contente com aquela ideia e seguiu à risca o que o compadre  pobre lhe tinha dito. Depois deitou-se com tenção de ir de madrugada ao quintal  buscar o porco. Mas o compadre pobre, que era espertalhão, foi lá de noite e  roubou-lho. No dia seguinte, quando o rico deu pela falta do porco, correu a casa do  compadre pobre e muito aflito contou-lhe o acontecido. Este, fazendo-se  desentendido, dizia-lhe: Assim, compadre! Bravo! Muito bem, muito bem! Assim é  que há-de dizer para se esquivar de dar o lombo ao abade!

O rico cada vez teimava mais ser certo terem-lhe roubado o porco; e o pobre  cada vez se ria mais, até que aquele saiu desesperado, porque o não entendiam.

O que roubou o porco ficou muito contente e disse à mulher: Olha, mulher,  desta maneira também havemos de arranjar vinho. Tu hás-de ir a correr e a chorar  para casa do compadre, fingindo que eu te quero bater; levas um odre debaixo do  fato, e quando sentires a minha voz, foges para a adega do compadre e enquanto  eu estou falando com ele, enches o odre de vinho e foges pela outra porta para  casa. A mulher, fingindo-se muito aflita, correu para casa do compadre, pedindo que  lhe acudisse, porque o marido a queria matar. Nisto ouviu a voz do marido e correu  para a adega do compadre, e enquanto este diligenciava apaziguar-lhe a ira, enchia  ela o odre. Tinha-lhe esquecido, porém, um cordão para o atar, mas tendo uma ideia  gritou para o marido: Ah! Goela de odre sem nagalho! O marido, que entendeu,  respondeu-lhe: Ah, grande atrevida!... Que se lá vou abaixo, com a fita do cabelo te  hei-de afogar! Ela, apenas isto ouviu, desatou logo o cabelo, atou com a fita a boca  do odre e fugiu com ela para casa. Desta maneira tiveram porco e vinho sem lhes  custar nada, e enganaram o avarento do compadre. 


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Nota:
Adolfo Coelho: "Contos Populares Portugueses" (1879)

Adolfo Coelho: "O Príncipe Sapo"

O PRÍNCIPE SAPO 

Era uma vez um rei que não tinha filhos e tinha muita paixão por isso, e a  mulher disse que Deus lhe desse um filho mesmo que fosse um sapo. Houve de ter  um filhinho como um sapo; depois botaram as folhas a ver se havia quem o queria  criar, mas ninguém se animava a vir. O rei, vendo que o sopito do filho não havia  quem o queria criar, anunciou que, se houvesse alguma mulher que o quisesse criar,  lho dava em casamento e lhe dava o reino. Nisto aí apareceu uma rapariga e disse:  Se Vossa Real Majestade me dá o filho, eu animo-me a vi-lo criar. O rei disse que sim  e a rapariga veio criar o sopito. Depois passou algum tempo e ele foi crescendo e ela  lavava-o e esmerava-o como se ele fosse uma criança. Foi indo e ele tinha uns olhos  muito bonitos e falava, e a rapariga dizia: Os olhos dele e a fala não são de sapo. Já  estava grande, passaram-se anos e ela, uma noite, teve um sonho em que lhe diziam  ao ouvido que o sapo era gente, mas pela grande heresia que a mãe disse que estava  formado em sapo, que se o rei lho desse para ela casar com ele que casasse e  quando fosse na primeira noite que se fosse deitar, que ele tinha sete peles e ela  levasse sete saias e quando ele dissesse: Tira uma saia, lhe dissesse ela: Tira uma  pele. Assim foi e casou o sapo com a rapariga e na noite do casamento ele pediu-lhe  que tirasse ela as saias e ela foi-lhe pedindo que tirasse as peles e depois de ele as  tirar ficou um homem. Ao outro dia ele tornou a vestir as peles e ficou outra vez sapo.  E ela disse-lhe: Tu para que vestes as peles? Assim és tão bonito e vais ficar sapo.  Assim me é preciso, cala-te. Ela, assim que se pôs a pé, foi contar tudo à rainha, e o  rei mais a rainha disseram-lhe: Quando hoje te deitares, diz-lhe o mesmo e depois de  ele tirar as peles e estar a dormir, deixa a porta do quarto aberta que nós queremos ir  vê-lo. Foram-no ver e viram que ele era homem. Ao outro dia o príncipe tornou a vestir  as peles e vai o pai disse-lhe: Tu, porque vestes as peles e queres ser feio? Eu quero  ser sapo, porque o meu pai tem mão interior e, se eu fico bonito, impõem a minha  mulher. O rei disse-lhe: Eu não a impunha, mas queria que tu ficasses bonito. Depois,  como viram que ele não queria deixar de ser sapo, pediram a ela que, assim que ele  adormecesse, lhes trouxesse as peles para eles as queimarem. Ela assim fez e eles  botaram as peles ao fogo aceso. De manhã vai ele para vestir as peles e não as acha.  Que é das peles? Vieram aqui o teu pai e a tua mãe e levaram-nas. Mal hajas tu se  lhas destes, mais quem te deu o conselho. Adeus. Se alguma vez me tornares a ver,  dá-me um beijo na boca.

A mulherzinha ficou, mas o rei e a mulher, assim que viram que o filho faltou,  puseram-na fora da porta. Ela, coitada, não tinha com que se tratar; o que era do rei  lá ficou e ela estava muito pobrezinha. A todas as pessoas que via perguntava se  tinham visto um homem assim e assim e lá lhe dava as notícias do príncipe. Vieram  por onde ela estava uns cegos e ela fez-lhes a pergunta. Os moços dos cegos  disseram-lhe: Nós vimos no rio Jordão um homem e certamente era ele; estava  botando fatias de pão para trás das costas e dizendo: Pela alma de meu pai, pela  alma de minha mãe, pela alma de minha mulher. Ela disse-lhes: Vocês quando  tornam para essa banda? Nós para o fim do outro mês voltamos para lá; havemos  de passar por esse rio. A mulherzinha aprontou-se e foi com eles. Chegou lá e era o  príncipe. Ela chegou ao pé dele e deu-lhe o beijo na boca como ele tinha dito e  disse-lhe: Ora vamos embora, que se acabou o nosso fado. E foram para casa e  foram muito felizes e tiveram muitos filhos.


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Nota:
Adolfo Coelho: "Contos Populares Portugueses" (1879)