terça-feira, 1 de dezembro de 2015

Benedicto Ferri de Barros: "5 Poemas"

GAIA CIÊNCIA

Que saborosa a vida na incerteza!
Estar-se mergulhado neste Caos.
Fora da ordem universal do Cosmo
podemos livremente bracejar,
cometer erros fora da rotina
e a cada novo instante
– como se fôramos divinos –
zerar tudo e tudo recriar.

A realidade inexiste. O que existe
simplesmente é nosso olhar e nosso coração
que podem recriar o instante que se foi
o mágico momento e seu lugar.
Mas para isso é necessário amar.
Um grão de amor encerra o universo
e está em toda a parte.
Mas para o captar...
É necessário amar.

“...nel mezzo del camin...”

Dou meus passos
pequenos, com cautela
sem ruídos
para chegar mais perto
auscultar teu sussurro
e saber se vens vindo.


SEU RETRATO

Muito obrigado.
Agora tenho como:
lhe dar bom-dia
descansar meus olhos
aquietar minha mente
mitigar minha solidão
aplacar minha saudade
enganar minha sede
respirar e aspirar fundo
pelas janelas entreabertas



AFINIDADE – I

Isso em nada me assustou.
Entendi.
Já sabia.
Morei na mesma rua
nadei no mesmo rio
também ando descalço.
Minha alegria
– ficou pela metade.
outra metade é sombria.

Não fui eu que fiz o mundo
quem inventou a espera
a incerteza de tudo
a desconfiança em si mesmo
a roca do dia-a-dia
a parca ao fim da jornada.

Eu sabia
haver a noite molhada
a fome da alegria
a noite como alvorada
a bruxa tornar-se fada
na ilha da fantasia:
No seu olhar eu me via.


AFINIDADE – 2

Entendo.
Já sabia.
Penso assim,
Sinto assim.
Vivo assim.

Compartilho tua fúria.
Me enlevo com teu encanto
Não acredito que existas
Acho que tudo é um sonho
De bruxarias benditas.

Compartilho tua fome
por essa coisa sem nome.
Haver a noite molhada
a alegria da fome
a fome da alegria
a noite como alvorada
a bruxa tornar-se fada
na ilha da fantasia.

Eu também ando descalço.
Eu nado no mesmo rio
Minha metade sombria
Se tornou iluminada
Pela de sua alegria.
Minha alegria também:
poder te chamar: amada



CUIDADO

Não quero te induzir a nada.
De volta só veria meu espelho.
Não dar-se – não – senão o que se é e quer.
Amar é gratuito e espontâneo.
O mais é menos, falso – apenas reação.
É antiamor. Antes dos corpos
para se amar as almas necessitam se despir.
O que eu quero é que você
seja você como é.

Vivo você
agora.
A cada instante
Obsessivamente.
De corpo e mente.
Siderado e confuso
como um adolescente
ao teu lado, agora,
neste instante.
Permanentemente

Fiz tudo o que precisava.
Muito mais do que sabia.
Num delírio de poesia
vesti a vida tinhosa.
E minha face sombria
se fez como o sol, radiosa
raiando um novo dia
sobre essa vida trevosa.

Qual?
Ignoro ser postiço
falsear minha mistura
não aprendi “deixar disso”.
Adoro levar um susto!
perder minha compostura.
e merecer um feitiço.
...................................
Ainda estou no escuro
Abre mais um bocadinho
Passe pra cá as anáguas
Me deixe te ver na praia
Me deixa te ver lá dentro
Do jeito que vês o mar
Relaxe... deixe rolar...
..................................

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Fonte:
Revista Brasileira: Fase VII - Janeiro-Fevereiro-Março 2006 - Ano XII - Nº 46 (Academia Brasileira de Letras)

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