quarta-feira, 2 de dezembro de 2015

Altevir Alencar: "5 Poemas"

CAMINHEIRO

Eu, peregrino errante desta vida,
Na aridez de um deserto miserando,
Venho, há trinta e três anos caminhando
Sem pousada, sem paz e sem guarida.

Solitário e infeliz, de quando em quando
Vejo abrir-se em meu ser nova ferida.
Paro, contemplo a estrada percorrida
E, a soluçar, prossigo cambaleando.

Não conheço um minuto de alegria.
E, ante as trevas da noite ou à luz do dia,
Nunca encontrei o vulto de um carinho.

Assim, de mãos vazias, vou penando,
Com o coração descrente, e os pés sangrando
Nas arestas das pedras do caminho.

  

POETA

Tu ficarás, embora o mundo inteiro
Reverta ao caos, e a própria humanidade
Regrida ao barbarismo. És o primeiro
E, assim, penetrarás na Eternidade.

Porque, sereno em meio à tempestade,
Percorrerás altivo o teu roteiro.
Se és arauto do Sonho e da Verdade,
Não passarás. Tu ficarás, pioneiro.

E morto, um dia, além desta existência,
Sentirás com que força e resistência
Teus sonhos, extra-humanos e imortais,

No esquecimento e na tristeza imersos,
Refulgirão na opala dos teus versos
Como a luz na pureza dos cristais!



TEUS OLHOS VERDES

Bandeirante do amor, parti cantando
Na busca ingrata de jazidas puras.
E depois de carpir mil amarguras
Nos matagais da vida, soluçando.

Tive sonhos febris. Sofri tonturas
Ante o fulgor do que vivi buscando.
Não conheci no pobre peito, arfando,
As carícias, os beijos, as ternuras.

E regressei, supondo haver achado
As minas divinais de um sonho ousado,
Entre rios, florestas, entre abrolhos.

E nunca alguém achou tanta riqueza
Como eu achei – o Poema de Beleza
Das esmeraldas tristes dos teus olhos.



ESMOLA DE AMOR

Não fui eu. Foste tu que enclausuraste
No próprio peito o ardor desta paixão.
Eras feliz. E eu – trágico contraste –
Um vagabundo da imaginação.

O bem que te ofertei nunca encontraste,
E eu nunca dei alento a esta ilusão.
Mas tive que partir. E tu ficaste
Amargurada em meio à solidão.

O pecado de amar te foi tão rudo
Que sinto, agora, perpassar por tudo
Teu vulto, a me seguir por onde eu for.

Hoje sofre demais, sempre calado:
Não por te amar, mas por ter sido amado
Sem merecer a esmola deste amor.



PROSÉLITO

Já que é mister viver no esquecimento,
Colhendo as desventuras uma a uma,
A cruz pesada do meu pensamento
Trago, sem Cireneu, por entre a bruma.

Por entre as névoas fortes do tormento,
Sem nunca ser feliz na terra, em suma,
Hei de passar silente e sem lamento,
Sem me queixar, jamais, de coisa alguma.

Serei feliz na dor e na humildade.
Já que é forçoso amar esta ansiedade,
Os prantos meus sufoco-os na garganta.

É que, moldado à ingratidão da sorte,
Meu pobre coração, depois da morte,
Soluça, chora, enxuga o pranto e canta!


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Fonte:
Revista da Academia Sul-Mato-Grossense de Letras: nº 4 - junho de 2004.

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