LAPA
Nesta casa antiga,
Sob estas volutas,
Como ri com as
putas
Entre uma e outra
briga.
Como virei copos
E extingui
charutos,
Discuti com
brutos,
Vaiei misantropos.
Urinei nas pias,
Vomitei nas
portas,
Com passadas
tortas
Vi nascer os dias.
Velha, velha casa,
Como ainda és a
mesma.
(Não tens dentro a
lesma
Que nos funda e
abrasa.)
BECO DOS BARBEIROS
Nossos pés e as
folhas secas
Há tempos, tempos,
te roçam
As pedras, quase
as remoçam,
Polidas como
carecas.
As folhas, como os
calçados
Perdidos para o
outro mundo
Dão-te um concerto
profundo
De estalos,
riscos, chiados.
Folhas de oitis,
de mangueiras,
Botas, tamancos,
coturnos,
Pés nus, ébrios
pés noturnos,
Jornais lidos,
amendoeiras,
Chinelos, heras,
jaqueiras,
Gramíneas, notas
fiscais,
Bilhetes de nunca
mais,
Bengalas de áureas
ponteiras,
Sapatos, rosas,
cobranças,
Folhas dos homens,
dos troncos,
Todos hirtos,
ambos broncos,
Sapatilhas, pés de
crianças,
Que ruído em rio,
que rio
De eras sem fim,
litania
Do abismo, na
pista esguia
Do teu traçado
sombrio
Que, à frente e
atrás, é uma foz
Dando ao nada, é o
dom das ruas,
Sob uns cem mil
sóis, mil luas,
Ruidoso, fluente,
feroz.
CEMITÉRIO DAS POLACAS
Nos beliches sobre
o oceano,
Nas camas de Lapa
ou Mangue
Fizeram-se, corpo
e sangue,
Algo horizontal e
plano.
Sob o lustre, ao
som do piano,
Quanto gesto
ousado ou langue,
Que mudo medo da
gangue
Que as trouxe, que
asco inumano.
Mas ei-las, ainda
deitadas
Nos seus leitos de
cimento,
Seus barcos sem
amuradas.
Doadoras do
esquecimento,
Ei-las na paz
olvidadas
De todos, menos do
vento.
APELO
Quando, cidade, eu
deixar-te,
Em que mundos
pulsará
Esta falta que já
está
Por aqui, por
tanta parte?
Esta saudade sem
termo
Para onde irá? Que
desgraça
O exílio do que se
passa
No teu corpo
infante e enfermo.
Nunca mais, manhã
bem cedo,
Caminhar na Rua
Larga
Entre os caminhões
de carga
E o abrir portas,
que degredo.
Nunca mais o Bar
do Joia,
O Gaúcho, o
Paladino.
O que há depois do
destino?
Sem mãos, que mão
nos apoia?
Nunca mais os
sebos reles
Da Feijó, da
Tiradentes,
Nem as luzes
descendentes
Sobre as mais
diversas peles.
Nunca mais o Hotel
Planalto,
O Triângulo das
Sardinhas,
Velhas pedintes
mesquinhas,
A corrida após o
assalto.
O ouro vítreo das
tulipas,
Os sinos nas rijas
torres,
As querelas entre
os porres,
O óleo sujo a
fritar tripas.
PASSEIO PÚBLICO
(DEVANEIO)
Como a vida cansa.
Fosse eu já um busto
Num jardim bem
sujo, entre espinheiros rombos.
Meu crânio
lustroso sob um sol adusto
Ficaria branco com
as fezes dos pombos.
Que em meu
pedestal os bêbados, aos tombos,
Viessem se escorar
e vomitar sem susto.
Bandas no coreto,
entre marciais ribombos,
Nunca acordariam
meu perfil vetusto.
Máscara sem alma,
patinando ao vento,
Que nenhum
passante sequer fitaria,
Tendo embaixo um
nome que ninguém leria.
E se alguém o
lesse, no fragor violento
Da hora do
retorno, nem o guardaria,
Servo de um senhor
que não se aplaca: o dia.
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Fonte:
Fonte:
Revista da Academia Carioca de
Letras - Edição Comemorativa: Organização: Paulo Roberto Pereira: “ 450 Anos da
Cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, 2015.”
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