segunda-feira, 16 de novembro de 2015

Sousândrade: "5 Poemas"

SAUDADES NO PORVIR

Eu vou com a noite
Pálida e fria
Na penedia
Me debruçar:
O promontório
De negro dorso,
Qual nau de corso
Se alonga ao mar.

Dormem as horas,
A flor somente
Respira e sente
Na solidão;
A flor das rochas,
Franzina e leve,
Ao sopro breve
Da viração.

Cantando o nauta
Desdobra as velas
Argênteas, belas
Azas do mar;
Branqueia a proa
Partindo as vagas,
Que n' outras plagas
Se vão quebrar.

Eu ponho os olhos
No firmamento:
Que isolamento,
Oh, minha irmã!
Apenas o astro
Que a luz duvida,
Promete a vida
Para amanhã.

Naquela nuvem
Te vejo morta;
Meu peito corta
Cruel sentir ï
Da lua o túmulo
Na onda ondula,
E o mar modula
Como um porvir...


DÁ MEIA-NOITE

Dá meia-noite em céu azul-ferrete
Formosa espádua a lua
Alveja nua,
E voa sobre os templos da cidade.

Nos brancos muros se projetam sombras;
Passeia a sentinela
À noite bela
Opulenta da luz da divindade.

O silêncio respira; almos frescores
Meus cabelos afagam;
Gênis vagam,
De alguma fada no ar andando à caça.

Adormeceu a virgem; dos espíritos
Jaz nos mundos risonhos –
Fora eu os sonhos
Da bela virgem… uma nuvem passa.


VINTE E OITO DE JULHO

Os lábaros verdes nos ares ondulam,
Na glória da pátria, na crença de Deus!
Os peitos levantam-se, os hinos modulam,
Na terra cantados, ouvidos nos céus!

Nas róseas torrentes que descem d'aurora,
Nos ventes, nos mares convulsos de amor
Os cantos formosos s'entoam d'outrora,
Que as frontes incendem de eterno fulgor!

Os louros não murcham na pátria dos lírios!
Os cravos não tomba m dos braços da cruz!
-Se pungem com sangue, com fundos martírios,

Sabeis que transformam-se em astros de luz!
Dobrai os joelhos! beijai esta terra
De nobres passados! sabei ter-lhe amor!
Sabei defendê-la nos campos da guerra —
Sois livres! sois filhos do sol do equador!


 
EU VI A FLOR DO CÉU

Eu vi a flor do céu — meiga esperança
Sorrindo para mim, Deus verdadeiro!
EU amei como um doido a formosura,
E eu não tinha dinheiro...

Então senti minha alma degradada,
Como à bandeira que hasteou Tarquino,
Quando o fogo da febre lhe lavrava
Nas veias do assassino.

E do mundo aos aplausos, minha fronte
Pálida entristeceu, mal resignada,
Como essas flores, cuja alvura indica
Flórea estação passada.



MARIA

Onde foram os encantos divinos,
Onde a crença de eterna magia,
Fonte meiga da luz e dos hinos,
Onde estas? onde foste, Maria?

Tens a fronte que tinhas na infância,
Pura e branca, inda toda harmonia:
Mas, da bela inocência a fragrância...
Onde estas? onde foste, Maria?

Ter em ti eu pensava encontrado
Meu sublime ideal da poesia;
Encontrei a mulher em seu fado —
Onde estas? onde foste, Maria?

Se hoje choro, aos que estavam descentes
Já mostrei meu amor na alegria:
Terno orgulho dos dias contentes,
Onde estas? onde foste, Maria?

Onde foste? onde foste? — procuro
O que na alma cantando te ouvia,
E já temo de ouvir-te — e murmura:
Onde estas? onde foste, Maria?
Onde foram os divinos encantos,
Onde o mundo em que eu dantes vivia?
Porque a fonte do riso é dos prantos?

Onde estas? onde foste, Maria?


---
Fonte
"Toda a Poesia: Antologia Poética". Poeteiro Editor Digital. São Paulo, 2015.

Nenhum comentário:

Postar um comentário