quarta-feira, 18 de novembro de 2015

Salomão Rovedo: "5 Poemas"

MEL

Quando a encontrei era só açúcar,
prazer, dança, doce de goiaba e mel.
Um mar de sal e sol para temperar,
vinho branco e, ou, cerveja gelada.

Criação boa à receita de felicidade:
e assim foi o tempo das maresias,
ondas rasteiras, espaços espectrais,
pôres de sol. É verdade: o sol se põe?

Sei que estão pensando que vou falar:
Agora tudo é fel (para rimar com mel),
mas que nada, só a distância atrapalha
a convulsão mansa de nossa pele úmida.

Se for possível, continua doce, mel e mel,
bacuri em calda, condimentos picantes,
sorvete de juçara... Já falei dos lábios?
Ara que boca! Ânsia devoradora, ora...



LAMENTAÇÃO EM DÓ

Pálpebras cobrem os olhos da alvorada
febris ainda não se levantaram: é noite.
Sinto-me como que nascendo – nada –,
surgindo à porta do ventre de uma mãe.
Haverá um regaço para me acolher,
seios para me alimentar, balangandãs,
um colo para o repouso tranquilo.

Mas quem esconderá do meu olhar
esta visão de todos os sofrimentos?
Até que o corpo pouse pacificamente?
Até que chegue o descanso? Ventres...
A vida é sopro. Males – jamais deixas
de perturbar o repouso dos cansados?

Ó Espreitador dos Homens (queixas),
por que concedes luz ao miserável?
Por que dás vida aos amargurados,
eis que esperam a morte e ela não vem?
Por que iluminas o homem, ó Adorável,
cujo futuro é oculto pela mãe natureza?

Nós somos de ontem e nada sabemos,
nada, sobre nossos dias sobre a terra.
Não, nada sabemos sobre as sombras,
as que acompanham os nossos passos.
Em tais pensamentos e visões noturnas
sobrevive o espanto. Tremo, trememos.

Os ossos se estraçalham silenciosamente,
se espíritos passam ante mim, agourentos.
Os pêlos do corpo se arrepiam, espinhos,
fantasia, alma, distingue bem a aparência.
Vultos que se postam diante dos olhos nus
como uma tremenda interrogação. Cruzes.

Depois vem o silêncio de calmaria vasta
e desperto pensando se foi desta vez,
se nesse instante deceparam o fio de vida.
Imagino se afinal se derreteu estes meses –
em mim a dureza da pedra, do mármore.
Será afinal os olhos de granito que agora
me vêm já não me verão mais? Será?

Cada vez demais comprida é a noite
e a madrugada demora ainda mais.
Tenho de lembrar sempre: embora
a nuvem se desmanche rapidamente,
o vento amarfanha as folhas, árvores,
até curvar-se na estrutura da terra...

Verdade – quem desce jamais retorna.


NOVO

Já escrevi uns poemas desesperados
e tomei várias tantas cachacinhas,
me despedi da mulher que era minha,
agora escuto um forró bem rasgado.

Beijo os farelos e as sobras de pão
antes de atirar os flocos pela janela
aos pombos. Corpo de Cristo, vela,
aprendizado de catecismo, oração.

Quando quero ser mau e demoníaco,
na calada da noite e só (assim suponho),
com os pensamentos mais malditos,

emborco chinelos, sapatos, com ódio
mortal – e criminoso, assassino, infenso,
espero que os inimigos acordem mortos.


ANJO

Aqui nada sobreviverá,
o não tocado por Deus.

Os Seus dedos roçarão
esta fronte comovida?

Nada, nada aqui viverá,
sem a bênção de Deus.

Quando Deus me tocará?

 

SEMENTE

Diga algo que venha do alto
e eu avançarei compungido,
de braços abertos para o alto
com o coração estremecido.

Que seja em música diga algo,
que abale e me deixe afligido,
a comoção que ofenda, algo
que ainda nunca foi atingido.

Agrida-me forte com poesia,
a palavra que detona o ser,
fira a alma – bala da poesia,

Diga-me algo que possa ser
a lavra na terra da poesia,
fira a alma que ofenda o ser.

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