quinta-feira, 26 de novembro de 2015

Per Johns: "5 Poemas"

(PRE) TEXTO

Certas palavras
mais do que sentido,
sentem.
Rebelam-se
contra o impingido
e retornam às raízes
de um significado
perdido.

Nascem poema
e se extraviam na prosa.
Florescem nos passos
e se desfazem nos rastros.
Fulgem no rizoma
e se apagam na copada.

Urge ajudá-Ias
em sua volta sofrida
à flor da pele
de quem as pronuncia.


MARIAS

Marina Maria e la Parisô
Clara Maria e Pia Maria
Mariana ou Marialba ou Mary Lô
a de sobrenome Saudade
e até Marias sem nome.

Tecem-se e destecem-se
Em minhas noites insones
Rarefeitas, esgarçadas.
Como nuvens, perfeitas.

Quando elas estavam
Quem faltava era eu.
Agora que estou
são elas que se foram.


AS QUATRO ESTAÇÕES NUM PAÍS DO NORTE

PRIMAVERA
A madrugada
deslizou no espelho
de um lago
(havia cisnes
entre brumas).

Melros cantaram
em cheio
no vazio crepuscular
de meus passos.
Foi quando
sem ter dormido
amanheci.

VERÃO
O dia se alonga
claro, sem descanso
e o lusco-fusco
em fúria de branco
madruga insidioso.

Transfigura a noite
que se omite.

OUTONO
Lenta melancolia
de folhas rubras
tinge os dias,
embala as noites.

Desprendem-se nos ares
seivas e humores.
Espíritos se evolam
das raízes mortas.

O vento bate
às portas de quem somos
num silvo insistente.
Ninguém atende.

INVERNO
Medram sementes
em frinchas de gelo.
Ressonam trigais
em campos sombrios.
Sonham pardais
em estalactites
de beirais arredios.

Sob a neve
tranquila, imóvel
a vida se faz saudade
do que já foi e é nada.

O mundo descansa,
a seiva hiberna.
Fermentam-se vinhos
das dores passadas.

Nesse sono fecundo
quem almejaria ainda
sofrer futuro?


ONDE ANTES NASCIA A LUA

Por trás do rendilhado verdejante
onde antes
a lua pastoreava
seus viventes
horda furiosa
armada até os dentes
avança e resseca
a sementeira das nascentes
e faz da lua exangue
um destroço
que se joga fora


AUTORRETRATO

Se não se pode ter tudo
se o todo é defeso
tenha-se ao menos
o pouco que restou
no poço do esquecimento
e vive, além da morte
de cada instante.

Mazelas e querelas
corroeram o corpo
que encolheu, minguou
mas a alma sobreviveu
a si mesma
nos olhos que soletram
o que nunca teve
ou se perdeu.




---
Fonte:
Revista Brasileira: Fase VIII - Abril-Maio-Junho 2012 - Ano I - Nº 71

Nenhum comentário:

Postar um comentário