segunda-feira, 23 de novembro de 2015

Ives Gandra Martins: "5 Poemas"

SONETO DE ABERTURA

Eu faço versos, eu não sei porque
Meu verso inculto é veio d’água suja,
Em vez de rio cristalino, cuja
Nascente o gênio, apenas, é quem vê.

Se eu faço versos, são para você?
Talvez o canto de seus olhos ruja,
Querendo o mar, num veio d’água suja,
E eu faço versos, eu nem sei porque.

Quem há, porém, que ao corriqueiro fuja
E, por um verso, a vida inteira dê?
Um verso rude, um verso tal, quem lê?

Que uma boiada toda, em versos, muja!
Meu verso inculto é veio d’água suja
E eu faço versos, eu nem sei porque.



SEMPRE RUTH

Como tens o olhar profundo,
Mais vasto que o vasto mundo,
Compreenderás meu naufrágio,
Afoguei-me sem morrer,
Ficando preso meu ser
Neste amor de um só contágio,

Contágio de seu olhar,
Ora verde, como o mar,
Ora cinza, ora castanho.
Que me faz a vida inteira,
Uma vida seresteira,
Com versos vindos d'antanho.

O tempo passa e descubro,
Tal rubi formoso e rubro,
O teu encanto infinito
E caminho, passo a passo,
Abrindo, louco, no espaço,
Meu amor cravado em mito.

As palavras sempre as mesmas,
Desvendam pinturas esmas,
No meu velho coração.
Tenho a alegria de tê-la,
Minha deslumbrante estrela,
Que contemplei desde o chão.

Eu não sei como os sextetos
Terminar, tais os coretos
Que o moderno eliminou.
Meus versos seguem a sina,
Pois te vêem sempre menina,
Versos que já não dão show.

Eu sinto dificuldade
Em compor na minha idade,
Mesmo sendo para ti,
Mas não paro, pois assim
Continuas no jardim
Deste sonho que vivi.

Querida eu amo-te tanto,
Que me causa muito espanto,
Acordar tendo-te ao lado
E sou grato eternamente
A Deus que a mim, indigente,
Me tornou o teu amado.

E neste sexteto paro,
Na inspiração sem amparo,
Visto qu'és a minha vida.
E a fraqueza destes versos
Vale mais do que universos,
Pois são para ti, querida.



A ENCRUZILHADA DO SILÊNCIO - REFLEXO PRIMEIRO

Pelas quedas, que levantam,
Pelos sonhos, que sustentam,
Pelos cantos, que descobrem,
E como as aves, que, eternamente, mostram
O caminho de todos os mistérios,
Hei de buscar-te, sempre,
CAUSA - SANGUE,

Desvirginando o espaço de meu tempo.



A ENCRUZILHADA DO SILÊNCIO - REFLEXO SEGUNDO

Eu sou o poeta, que correu o mundo,
Que sentiu tristezas
E calou misérias.

Eu sou o poeta, que viveu o mundo,
Que buscou respostas
E encontrou silêncios.

Eu sou o poeta, que esqueceu o mundo,
Que sorriu à vida
E caminhou sozinho.

No deserto de ilusões,
Os amigos desprezaram meu falar
E eu pouco me importei,
Porque, algum dia,
Os amigos serão simples,
Serão bons
E eu perdôo os de hoje, por aqueles.

No mercado de ilusões,
As mulheres gargalharam meu olhar
E eu pouco me importei,
Porque, algum dia,
As mulheres serão puras,
Serão nobres
E eu perdôo as de hoje, por aquelas.

No templo de ilusões,
Os sacerdotes romperam meu rezar
E eu pouco me importei,
Porque, algum dia,
Os sacerdotes serão sábios,
Serão crentes
E eu perdôo os de hoje, por aqueles.

O poeta é o mensageiro da esperança,
O poeta deve crer
E eu creio,

Porque

Eu sou aquele,
Que, ainda, sonha flores
E descobre estrelas,

Eu sou aquele
Que, ainda, busca anjos,
Onde existem feras,

Eu sou aquele
Que, ainda, prega aos fortes
E defende os fracos...


  
A ENCRUZILHADA DO SILÊNCIO - REFLEXO TERCEIRO

Eternidade

O canto é indefinido,
A noite triste.

O luar tem rabugens de rancor
E brilha
E foge
E para
E olha
O vate só.

O canto é indefinido,
O vate escuta.

As árvores são espectros
De inverno,
Assombraçães
Do quadro estranho.

O vate pensa,
A noite é triste.

Ninguém lamenta
E nenhum grito
De boca fria
Acorda a vida,
Que dorme, calma,
Virge’entre loucos.

E o canto é indefinido

E a noite é triste

E o vate escuta.

Nenhum comentário:

Postar um comentário