terça-feira, 17 de novembro de 2015

Ernesto Pires: "5 Poemas"

CIÚME

Não sabe com certeza o que é ciúme,
O que é sentir no peito, em vida, gelo,
Pegar no coração e contorcê-lo,
Subir da raiva e do ódio ao negro cume.

Não sabe o que é do amor o ardente lume...
Sonhar um vasto céu e compreendê-lo,
Para ver, cruelmente, desfazê-lo,
Na sombra da ilusão, voraz negrume.

Não sabe, não, senhora!... ai! se o soubesse,
Se o pudesse antever, se o compreendesse,
Estrangulando a vida, á voz do amor...

Por mais cruel que fosse não daria
A uma alma, irmã da sua, essa agonia
Vendo-a morrer em convulsões de dor.



ETERNO AMOR

Se a morte me extinguir a mocidade,
Cortando o fio de penosa vida,
Julgar-me-ás uma ilusão perdida,
Haverá dentro em ti uma saudade?

Buscarás descobrir, na imensidade,
Quando a noite passar enegrecida,
Uma estrela serena e dolorida
Que te fale de mim, da eternidade?

Ou antes, esquecendo antigo enleio,
Extinguirás de vez, dentro em teu seio
A lava enorme d'um passado amor?

Se for assim, em noite tenebrosa,
Tu hás de ouvir minh'alma lacrimosa,
Magoadamente a suspirar de dor.



ADORAÇÃO

Ouço dizer, ha muito, que a saudade
Aviva n'alma os grandes sentimentos,
Engrupando num só os pensamentos
Que se reúnem, além, na imensidade.

Deixei-te um dia em triste soledade,
Parti, cheio de dor e de lamentos;
O pobre coração, entre tormentos
Lutando com raivosa ansiedade.

Voltei tempo depois:— O sol raiava,
Sorria a primavera, e ostentava
O agreste brejo a perfumada flor.

E ao ver-te, novamente, ó doce amante,
Disse a teus pés caído e murmurante:
— Bendita a natureza e o teu amor!



FLOR PERDIDA

Quando sorria a infância docemente
Aos olhos infantis da minha esp'rança,
Era-me o céu azul, azul bonança
Me enchia o alegre peito, ternamente.

Brilhante o espaço, a aurora transparente,
Brando o futuro se a ilusão avança!...
Assim jamais o coração se cansa,
Mostrando á nevoa fria um sol ardente.

Pastam os olhos meigos pelos prados,
Os astros rompem sempre vigorosos
As campinas do céu, fortes arados.

E murcham sobre a campa luminosos
os lírios! É que lembram, emigrados
Alegres campos, verdes, deleitosos.



OS TEUS OLHOS

I
Inveja a noite escura e tenebrosa
A negra cor do teu olhar vibrante,
Espelho d'alma triste e peito amante,
Imagem d'uma estrela radiosa.

O teu olhar de fogo!... É assombrosa
A luz que espalha ao de redor; distante
Se for um dia, caminheiro errante,
Que ele me enxugue a face lacrimosa.

Se além, na campa, os membros já cansados
Eu repousar ao pé dos tristes lírios
E dos funéreos goivos delicados.

Pago serei então de meus martírios,
Se, junto a mim, teus olhos magoados
Forem-me, ali, os derradeiros círios.

II 
Os olhos que me deram na existência,
Com seu gentil fulgor de virgindade,
Umas vezes amor, outras saudade,
Renascendo-me a paz na consciência;

Olhos cheios de vida e de inocência,
Revivos de perfume e suavidade,
Olhos de tão formosa claridade
Que escurecem do céu a transparência;

Talvez sejam ainda os companheiros
Da melodia heroica de meu canto,
Meus amigos sinceros, verdadeiros.

Talvez!... Mas se poder a sorte tanto
Que os afaste de mim, que os derradeiros
Suspiros meus orvalhem com seu pranto.

Fonte
"Toda a Poesia: Antologia Poética". Poeteiro Editor Digital. São Paulo, 2015.

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